O desenvolvimento capitalista em cinco estações

Se bem captamos a essência da aula assistida à Nilson Araújo de Souza, são cinco os períodos do desenvolvimento capitalista que se pode registrar, desde a sua consolidação sobre as antigas relações feudais até a corrente mudança geopolítica do mundo, que anuncia a China como novo norte da evolução das forças produtivas sob predomínio de relações governadas pelas trocas mercantis entre os sapiens.

Quando a produção individual dos servos medievais já não era capaz de abastar minimamente a sua família e ao proprietário de suas terras, mesmo tendo estes singrado oceanos em busca de nova riqueza, sobreveio a revolução industrial do vapor, suficiente para elevar em 70 vezes a produtividade do trabalho, até então essencialmente individual e braçal.

A produção de excedentes em escala industrial, a partir dos anos 1840, levou a nascente burguesia inglesa à prática do livre comércio internacional, característica do primeiro período capitalista, que perdurou até à depressão do final do século 19. Dona de 70% da produção manufatureira do planeta, estabeleceu termos de troca por matérias primas e dinheiro metálico bastante favoráveis à si própria. Resistiam à hegemonia inglesa EUA, França, Alemanha, Itália, Japão e Rússia, que buscavam industrializar-se. Na América Latina, o Brasil opôs-se temporariamente ao instituto inglês, mas terminou por ceder à politica tarifária que outrora sugou o colonizador português em favor do Reino Unido.

A desigualdade dos termos de troca entre os países produtores de matérias primas e os industrializados favorecia, de um lado, a recomposição das taxas de lucro destes e, de outro, realçava a dependência da periferia que se formava ante os centros do capital industrial. De acordo com a Cepal, os termos de intercâmbio só fizeram deteriorar com o passar do tempo.

Na virada do século 20 tem início a fase imperialista do desenvolvimento capitalista, em que se soma ao intercâmbio desigual a exportação de capitais, em forma de investimento estrangeiro direto ou financiamentos à produção primária e instalações, criando um novo desenho da dependência internacional. Às transferências comerciais, somam-se então as remessas de juros e lucros das novas colônias econômicas, dependentes do centro ainda que, em vários países como os latino-americanos, conservassem a independência política.

A disputa pelos mercados consumidores e fornecedores de matérias primas baratas não se deu de forma pacífica, inaugurando-se com o conflito global iniciado em 1914 o terceiro estágio das relações capitalistas. Consolidou-se um campo alternativo, orientado ao socialismo e, do lado imperialista, os EUA assumiram o papel dominante, impondo sua moeda lastreada em ouro como padrão mundial; hegemonizando a direção de instituições financeiras multilaterais, como o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio; ostentando seu poderio militar; travando a batalha ideológica anticomunista pelo “mundo livre”; e instalando mundo afora filiais de suas corporações empresariais.

Também caracterizaram o período, no pós-guerra, os estados de bem-estar social, como forma de contraposição aos avanços do campo socialista e em atenção à crescente mobilização dos trabalhadores; a descolonização generalizada do mundo, com países como a China, a Coreia e a Índia alcançando a sua independência política; e a ampliação do número de países mais ou menos industrializados, em composição ou sob o controle do capital estrangeiro das matrizes mundiais, entre eles o Brasil.

Quando em 1971 o presidente estadunidense Richard Nixon suspendeu a paridade do dólar com o ouro, abriu-se o quarto período da história do capital, em que a economia real foi crescentemente e em boa medida substituída por outra fictícia, meramente financeira.

O crescimento três a cinco vezes superior da produtividade do Japão e da Alemanha, em relação aos EUA, permitiu a invasão do mercado interno do antigo lider e de outros por ele controlado. com os produtos daqueles países oferecidos a preços menores que os estadunidenses e de suas sucursais.

Ao déficit externo somou-se outro dentro do país, vez que a resposta governamental foi o incremento do gasto militar e o subsídio tributário às grandes fortunas, resultando no fenômeno conhecido como os “déficits gêmeos”.

Muito dos capitais produtivos, primeiro dos EUA e depois de outros países, migraram à esfera financeira, especulativa, aparentemente mais rentável. Surgem os derivativos, papéis lastreados na economia real estagnada, que em um quarto de século, a partir dos anos 1990, multiplicaram-se duzentas vezes em valor de face.

Toda a papelada tinha como única fonte de rendimento uma economia real várias vezes menor, o que levou os mais rápidos, de tempos em tempos, de realizar seus ganhos adonando-se de empresas produtivas existentes, já que nova produção não encontraria compradores em um mundo que rebaixava o valor da força de trabalho e transferia recursos da periferia ao centro imperialista, como forma de sustentar a sempre cadente taxa de lucro dos negócios.

Bandeira da China

Se os EUA detiveram o Japão e a Alemanha desvalorizando a sua própria moeda, um novo ator emergiu, abrindo novo estágio nas relações globais de produção: a China, cuja economia já supera a estadunidense quando considerado o poder local de compra da moeda.

O país asiático combinou os princípios do socialismo e o comando estatal da economia com inserção no mercado capitalista global, tecnologia e preços baixos. Se em 1980 o PIB chinês era menor que o brasileiro e representava entre 2 e 3% dos EUA, anuncia-se que até 2028 deve se tornar o maior do mundo também pelo critério convencional, de câmbio com o dólar.

A nova “rota da seda” desenhada pela China já conta com uma centena de países aliados, indicando uma possibilidade de superação pacífica das caducas relações capitalistas. No entanto, é de se esperar reação dos antigos líderes, que se encontram pendurados nos derivativos até o pescoço.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

30 comentários em “O desenvolvimento capitalista em cinco estações

  1. Caro isosendaz sei que nunca vais considerar o que digo porém vou fazer uma tentativa. apenas para argumentar. Existem mais de 400 dialetos somente na Índia. No Brasil o dimorfismo entre os nordestinos e o restante da população é devastador, se pode distinguir um habitante nativo do nordeste apenas pela sua aparência física. Seu sotaque, sua dieta, sua musica e poesia, sua cultura são totalmente distintas. então temos cinco continentes. Temos 208 países com assento na ONU. Somente na Suiça se falam quatro línguas o alemão de lá é distinto do alemão da Alemanha. seria uma obra de mais de um milênio um milagre termos a fórmula mágica que resolveria a humanidade. Nem sequer temos uma mesma religião de consenso. como pode o Sr acreditar que ontem comunismo pode ser a formula para o Brasil ou para qualquer estado? Eu vou te ajudar: pode talvez funcionar nas ilhas Galápagos ou no Gabão ou na Eslovênia mas em lugar nenhum as pessoas escolheram livremente este regime somente adotado e mantida a fio de espada e assassinatos e perseguição. Por favor nos poupe de mais estupidez. Obrigado.

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    1. De cada um segundo a sua capacidade, a cada um segundo a sua necessidade, assim acredito que as relações mercantis de tantas guerras nos mais diversos idiomas podem ser superadas civilizadamente.

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