Em seu artigo “A Despesa Financeira é a Zona Morta do Debate Econômico Brasileiro” a economista Mônica de Bolle dá sequência à sua crítica ao fiscalismo que impera no Brasil. Se o teto de gastos só limita as despesas primárias, os juros da dívida sobre elas têm ilimitada prioridade. Veja os principais pontos.
O debate econômico brasileiro tem se transformado, ao longo dos últimos anos, em uma zona morta. A diversidade se foi e sobraram apenas as mesmices, as algas e águas vivas. A zona morta é especialmente visível nos fins de semana, quando a ondulação dos jornais e de seus editoriais impulsiona as medusas, que então flutuam em suas páginas. Águas vivas, ou medusas, locomovem-se com imensa eficácia desde que haja algum fator externo de propulsão. No Brasil, o fator externo de propulsão, ou talvez seja mais apropriado denominá-lo de pulsão, chama-se fiscalismo.
A economia não é via de mão única. Por não ser ciência exata, não existe um só argumento, e os que existem sequer são passíveis de comprovação. Portanto, a economia não funciona na zona morta. Ela funciona nas zonas férteis do pensamento e da realidade tal qual essa se apresenta.
O fiscalismo tem por princípio a obsessão pelas despesas primárias como objeto de asfixia. Dito de outro modo, pretende o fiscalismo emplacar como discurso único o de que as despesas primárias devem sempre ser reduzidas. Dentre os componentes da despesa primária que mais repulsa causam aos fiscalistas estão programas sociais e aumentos do salário mínimo. Mas, me adianto. Antes de mais nada, é preciso definir conceitos para que não se perca o/a leitor/a nos jargões que dificultam a compreensão da economia.
A despesa primária da União é todo o dispêndio, à exceção daqueles relacionados ao pagamento de juros da dívida pública e às amortizações. Como a despesa financeira se constitui, justamente, dos gastos com os juros e com as amortizações da dívida, a despesa primária é tudo o que o governo gasta menos a despesa financeira. Já a despesa nominal inclui todas as despesas, inclusive a financeira.
Portanto, cabem duas perguntas. A primeira é: parece razoável gastar 10% do PIB com juros da dívida, quando 15 meses antes gastavam-se menos de 2% do PIB? Ou seja, é justificável esse aumento da despesa financeira? Essa pergunta é muito importante pois, com recursos limitados, o aumento da despesa financeira estrangula a capacidade de aumentar o salário mínimo e de fazer o que é necessário com os programas sociais para reduzir a extrema pobreza e a fome no País. A segunda pergunta, relacionada à primeira, é: parece adequada a reação do Banco Central à inflação brasileira? Isto é, o aumento de mais de 11 pontos percentuais da Selic é justificável? (+506 palavras, Monica’s Newsletter)
Monica de Bolle é membro sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins; tem formação e pesquisa em Economia, imunologia, América Latina, Brasil, doenças infecto-contagiosas, microbiologia.
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