O tesoureiro que tesourava

Um conto fiscal de Mônica de Bolle

Se o tesoureiro não sabe qual o risco fiscal, como vai explicar a taxa de juros? Esse conto não traz a resposta.

O tesoureiro levantou-se cedo, mais do que o habitual. Seria aquele um grande dia, não no sentido de glórias conquistadas ou louvores a colher. O dia seria grande porque não é todo dia que se enfrenta o precipício. Mais do que isso, não é todo dia que se enfrenta o precipício sabendo de antemão que em sua beirada estaria, quisesse ou não. Aceitara o desafio porque, como tesoureiro que tesourava, qualquer corte lhe era acessível. Corte de palavra, corte de pergunta, corte como resposta que interrompesse um questionamento incoveniente, corte de terno, corte de gravata. A gravata bem aprumada, de marca chique pois, afinal, era ele o tesoureiro.

O tesoureiro passou as horas se preparando para o enfrentamento. Assistiu entrevistas, leu alguns artigos de jornais — jamais fora muito afeito à leitura acadêmica — fez anotações em seu caderninho. Munido do caderninho, partiu para o que seria inevitavelmente o cadafalso. Cadafalso, piso em falso. Piso em falso ter aceito aquela entrevista. No caminho para o cadafalso que ainda não reconhecera como nada, menos ainda como o precipício, atenção ao chão não prestava. Escapou-lhe aquilo que não escapara ao prisioneiro cujo destino fora selado e que George Orwell, em um de seus mais magníficos ensaios, observara. O desvio da poça para não sujar os sapatos. O tesoureiro sujou os sapatos já na trilha do precipício e antes de alcançá-lo quando, com fala entrecortada, respiração ofegante, e postura corporal reveladora, entregou sua ansiedade aos olhos dos espectadores. Espectadores atentos a cada detalhe. Espectadores Orwellianos. (continua, +420 palavras)

Em sua página Monica’s Newsletter a economista Monica Baumgarten de Bolle trata de economia, imunologia, América Latina, Brasil, doenças infecto-contagiosas, microbiologia. PhD em economia, MSc em imunologia e microbiologia.

Veja também A despesa pré-primária do Brasil.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

3 comentários em “O tesoureiro que tesourava

    1. Grato por sua observação, Henrique. Veja que a ampliação da produção também faz cair os preços, além de ajudar a cumprir outro objetivo do Banco Central, de fomentar o pleno emprego. E é bem mais barato, permitindo investimentos públicos e até redução de impostos.

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