

Seria preciso penetrar na inescrutável intenção do constituinte para entender precisamente a definição de desenvolvimento equilibrado do país, cuja promoção foi por ele atribuída como uma das funções essenciais do sistema financeiro nacional.
Ainda que o equilíbrio das forças produtivas pareça incompatível com o modo de relacionamento econômico observável no capitalismo, é mandatório para o Estado brasileiro perseguir o objetivo social traçado ao sistema financeiro nacional no artigo 192 da Constituição federal, que determina estruturá-lo de forma a promover o “desenvolvimento equilibrado do país”. O primeiro passo é estabelecer o conceito teórico, que bem pode embasar a regulamentação do comando magno em lei complementar.
O que é, então, o desenvolvimento equilibrado do país?
Dicionaristas informam que desenvolvimento significa a passagem gradual de um estágio inferior para outro mais aperfeiçoado. Desenvolver, portanto, significa adiantar, aumentar, melhorar, aperfeiçoar e fazer progredir. No campo das relações humanas, a expressão pode ser associada à evolução das condições sociais, políticas e econômicas de uma comunidade, seja local, regional ou nacional.
Um grupamento humano será considerado desenvolvido quando dotado de moderna economia e meios de produção, que proporcionem elevadas condições de vida, distribuídas de modo homogêneo no conjunto da população. Assim, o desenvolvimento é mais que o simples crescimento econômico, trata-se de atingir novo estágio de bem-estar humano, estável e socialmente difuso.
Quando o processo de desenvolvimento não é completado, ou seja, a disponibilidade aumentada de bens de uso e consumo não pode ser aproveitada pelo conjunto da sociedade que a produziu, verifica-se o fenômeno do subdesenvolvimento. Longe de ser etapa primeira do desenvolvimento, é, ao contrário, produto deste. O desenvolvimento das economias capitalistas mais avançadas pressupõe crescente dependência da expansão de seus mercados produtor e consumidor de bens, favorecendo o aumento da concentração de capital nessas economias, retirando das economias periféricas o alimento para sua continuada necessidade de recomposição da taxa de lucro, que tende constantemente a cair em uma economia concorrencial.
A ciência física define “equilíbrio” como o estado de um corpo material em que a resultante das forças que sobre ele agem é nula. No campo das humanidades, pensadores são quase unânimes em associar o equilíbrio à harmonia entre contrários.
Essas definições conduzem à verificação de existirem duas possibilidades, quando se conjugam os termos em “desenvolvimento equilibrado” do país: desenvolver em ritmo semelhante regiões e setores sociais e econômicos do país, mantendo a dianteira dos polos mais avançados, sem, no entanto, distanciá-los dos demais; ou perseguir um país equilibradamente desenvolvido, no qual todos os setores da sociedade tenham acesso pleno aos bens e serviços amplamente disponíveis, versão preferida por este autor.
Não basta, para tanto, redistribuir a renda existente entre os cidadãos brasileiros, por meio de programas sociais ou aumentos reais de salários. Embora o aumento do poder aquisitivo possa produzir um conforto imediato aos beneficiários, inclusive de forma razoavelmente homogênea no tecido social, no longo prazo não se sustenta o consumo sem uma base produtiva capaz de suprir as demandas nos patamares esperados.
A suficiência de bens e serviços não pode ser alcançada simplesmente com o aumento quantitativo do trabalho. É preciso incorporar a mais moderna técnica que a ciência e a indústria nacionais possam conceber, elevando exponencialmente a capacidade produtiva da sociedade como um todo. É exatamente na reprodução da indústria, na fabricação de meios de produção, que reside a chave do desenvolvimento econômico.
Não foi outra a prioridade dada pelas economias que mais cresceram no século passado. De economistas soviéticos, com seu Manual de Economia Política, ao presidente da China, passando pelos teóricos desenvolvimentistas da esfera capitalista, todos coincidem em orientar parte substancial do investimento ao domínio da tecnologia e à produção de máquinas. É pelo lado da oferta crescente que o consumo pode estavelmente generalizar-se entre a população.
Considerando o que já foi apresentado, nossa sugestão é que se adote a seguinte definição, válida nos marcos das relações capitalistas vigentes no Brasil: o desenvolvimento equilibrado do país diz respeito à generalização do bem-estar e do mais elevado padrão de consumo dos brasileiros em todo o território nacional, a ser alcançado com a prioridade da produção nacional de meios de produção, dotados da mais moderna técnica que o país possa dispor, de maneira independente.
Na atual quadra da história brasileira, não é difícil observar o Brasil como subdesenvolvido e economicamente dependente de outras nações mais adiantadas. Agrava o quadro a direcionamento dos recursos arrecadados. Agrava o quadro a crescente posição dos capitais internacionais na nossa economia, bem como os óbices que os serviços da dívida pública causam ao investimento no país, especialmente o público.
Como, então, romper com o atraso, retomando o aminho ao desenvolvimento do país, que se quer equilibrado? E o Banco Central, como pode contribuir nesse mister, antes mesmo da regulamentação do dispositivo constitucional, relativo à ordem econômica e financeira brasileira?
Sabida a prioridade do domínio da técnica e da produção de meios de produção, fica orientada a confecção da peça orçamentária de investimentos nacionais. Não obstante a criação de leis e políticas públicas protetoras do setor preferencial, há mais que o Estado pode fazer para superar o subdesenvolvimento e a dependência nacionais.
Sobre o Banco Central recai a responsabilidade de executar as políticas públicas emanadas pelo Conselho Monetário Nacional, no que tange à estruturação do sistema financeiro nacional, também por si integrado, para que este promova o desenvolvimento equilibrado do país.
Sem prejuízo sobre todo um elenco de possibilidades de atuação da autoridade monetária, podemos destacar a orientação da destinação dos recursos das instituições financeiras e a administração das reservas internacionais.
Dentre outras medidas que privilegiem o interesse público do desenvolvimento equilibrado do país sobre a atividade privada, parte dos lucros dos que se dedicam à intermediação financeira pode ser direcionada a fundo de pesquisa científica, cuja gestão bem pode caber ao Ministério da Indústria e Comércio, de modo a assegurar o direcionamento dos recursos arrecadados. A correlação entre o financiamento da indústria e a atividade especulativa nas instituições privadas também pode ser melhorada, aproximando-a daquela observada nos bancos públicos, cujo retorno sobre o capital, em média, é mais atrativo aos olhos dos seus proprietários.
Na área das reservas internacionais, que se encontram em patamares estáveis há anos, também é possível destinar uma parte das disponibilidades a projetos de infraestrutura produtiva geradores de renda, dentro de limites prudenciais cuidadosamente estabelecidos. As negociações com os depositários das reservas no exterior também podem conter o componente de contrapartidas no país, dentro de diretrizes desenvolvimentistas estabelecidas, sem que se abra mão dos quesitos da confiabilidade nos bancos escolhidos.
São conceitos e caminhos para aproximar o Brasil da vontade do poder originário, expresso pelo legislador na sua Constituição que se ousou chamar de cidadã.
*Publicado originalmente na Por Sinal nº 49, de outubro de 2015.
*Publicado originalmente na Por Sinal nº 49, de outubro de 2015 ( https://www.sinal.org.br/informativos/porsinal/images_porsinal49/pdf_revista.pdf)
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