
O universo normativo brasileiro estabelece uma hierarquia entre as leis. A chamada responsabilidade fiscal é objeto de Lei Complementar, inferior ao comando constitucional do Artigo 6º, definidor dos direitos sociais: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Dessa forma, não pode o governo invocar a flexibilização de direitos inalienáveis dos cidadãos em favor da geração de superávit primário e sua destinação aos encargos da dívida, nem o Congresso Nacional ser complacente com tais medidas, mesmo sob pressão e incentivo do capital financeiro.
Trata-se da responsabilidade social.
Sempre que o particular não puder prover a sociedade plenamente, a obrigação do Estado é oferecer os meios para que os cidadãos residentes no país fruam plenamente dos direitos próprios dos fundamentos da nossa República. Ao mesmo tempo que é direito social, o trabalho é valor fundamental do Brasil, essência da própria nacionalidade.
O que fazer quando, mesmo com gigantescas desonerações fiscais e crescimento ininterrupto da flexibilização das relações de trabalho, o desemprego e a subocupação, para não falar no desalento, expandem-se em igual medida que a pobreza? Bolsonaro e Guedes oferecem mais do mesmo, fazendo o consumo decair e, com ele, as encomendas e os empregos produtivos. Um programa recém-apresentado fala em frente semestral de trabalho e retomada maciça de obras públicas, inclusive o Minha Casa, Minha Vida. Além de insuficiente para mudar a realidade brasileira, depende da vontade do presidente em exercício, que é muito próxima de nenhuma. O regime fiscal de teto de gastos, ademais, inibe a disponibilidade federal, a principal fonte de recursos para a contratação emergencial de trabalhadores e retomada de obras públicas.
É preciso que a responsabilidade social, mais ainda nos momentos de crise, sobreponha-se à responsabilidade fiscal. Gerar milhões de empregos patrocinados pelas três esferas e Poderes do setor público, cuja renda distribuída constitui outro tanto de vagas no setor privado, em razão do consumo, é tarefa complexa e exige denodo, mas não é novidade no mundo contemporâneo.
Nos EUA dos anos 30, após a quebra da bolsa e sob a presidência de Roosevelt, a principal agência de trabalho público contratou 8,5 milhões de cidadãos americanos desempregados pela crise, de um total de onze milhões, a quinta parte da população trabalhadora do país. Se eles fizeram um milhão de quilômetros de ruas e estradas e levantaram ou reconstruíram 125 mil imóveis públicos, certamente nós podemos fazer mais ainda com 12 milhões de brasileiros e uma técnica muito mais moderna.
Só depende de querer. E determinar às autoridades a ação concreta.