Economia de uma nota só

É bem conhecido o samba de uma nota só. Certos economistas parecem nele se inspirar para responder sempre com o mesmo argumento, qualquer que seja a contradição apresentada.

Um desses exemplares expressa que qualquer insuficiência nas relações de produção brasileiras deriva do fato de o Estado pagar aposentadorias e mesmo salários aos que prestam, no interesse público constitucional, serviços à sociedade.

Os números do Tesouro Transparente são eloquentes: um milhão de servidores da União, um a cada três deles militar, receberam em 2020 R$ 313 bilhões de salários; os juros anuais da dívida pública estavam em 7,8% no mês de setembro deste ano, o que perfaz um gasto com uns poucos rentistas – aqueles que detém quase todo o bolo, exceto uma fina fatia distribuída ao público – da ordem de R$ 421 bilhões, já que o estoque da dívida orbita os R$ 5,4 trilhões!

As despesas públicas de 2020 com benefícios previdenciários, exceto os de enfrentamento à crise sanitária, foram de R$ 664 bilhões. O governo informa que o regime geral abarca 82%, sendo o restante destinado aos regimes próprios dos servidores. Considerando o primeiro tripartite e o segundo bipartite, já que o governo se furta a cumular a função de empregador com a sua precípua, à União comete um gasto social aproximado de R$ 240 bilhões; o restante são recursos dos empregados e empresas, administrados pelo Poder Público.

havíamos demonstrado no último dia do Aposentado, e não é preciso ser atuário para tanto, como as contribuições previdenciárias dos trabalhadores brasileiros são suficientes, tendo o PIB por parâmetro, para prover sustento, até com alguns anos de folga, para a sobrevida média à jornada laboral esperada de cada um.

Assim, o encargo de caixa com os aposentados brasileiros mostra-se modesto ante o aumento de produtividade que os trabalhadores construíram ao longo da vida.

Dirão talvez os apressados fãs da privatização total da previdência complementar que no setor público há proventos de aposentadoria superiores ao teto do regime geral. Esquecem ou omitem que há uma previdência complementar para os servidores, compulsória até 2013, já que a contribuição incide sobre o total dos salários. E prossegue após a aposentadoria, por absurda que possa parecer a tese.

Hoje a contribuição excedente, no plano da União, que baliza os regimes subnacionais, é contabilizada em um fundo, cuja rentabilidade depende da sua administração e o benefício individual da longevidade do servidor público participante, minando o caráter social da previdência.

Evidentemente há situações pretéritas bem ao gosto dos marqueteiros do interesse privado, mas a essas se contrapõe a segurança jurídica dos negócios de Estado.

Aquela que aos banqueiros parece não faltar.

Seria injusto afirmar que a turminha que só concebe a vida sob o tacão do dinheiro, cada vez mais concentrado em mãos nem um pouco nacionais, resume suas perorações em culpar os produtores pelos problemas do Brasil. As desafinadas notas adicionais respondem pelo nome de xingamento aos cientistas sociais de especialidade econômica, com uma variedade vocabular que não é necessária reproduzir aqui.

Post Scriptum em 21.11.2021: No texto original acima talvez se perceba certa leniência com o rentismo. Parte importante dos desembolsos públicos retorna ao Tesouro por conta dos impostos de circulação e renda (a carga tributária de 33%) e aqueles detidos exclusivamente na fonte, quando se trata de aplicação financeira (15%). Assim, a despesa líquida anual combinada de previdência – reiteramos referirmo-nos ao que excede a contribuição de trabalhadores e empregadores – e salários da União é próxima a R$ 370 bilhões, enquanto só de juros o Estado brasileiro gasta R$ 360 bilhões no ano.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, diretor do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.