O encantamento com Haddad

Dois em cada três farialimers estão encantados com Haddad

Em artigo no Vermelho, como sempre bem construído, Paulo Kliass traça uma linha do tempo do Ministro da Fazenda e como ele procura conquistar a simpatia do mercado financeiro com uma atuação nada desenvolvimentista, sem omitir suas derrotas eleitorais em segundo turno para, nada menos, Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas.

Vejamos uma síntese do que sucedeu nestes últimos tempos:

[…] Todas as tentativas de forjar uma alternativa mais palatável aos olhos dos donos do dinheiro fracassaram – seja em termos políticos, seja em termos eleitorais. Lula venceu nos dois turnos e tinha como um de seus primeiros desafios a composição de sua equipe e conseguir tomar posse. A ameaça de golpe militar e o não reconhecimento do resultado proclamado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estavam sendo manobrados pelo derrotado para impedir a chegada de Lula ao Palácio do Planalto no primeiro dia do ano.

[…] O povo da finança lançou mão de seu Plano C: influenciar de forma mais decisiva o programa a ser implementado pela próxima equipe. A intenção era inviabilizar as medidas que pudessem conferir uma linha mais progressista e desenvolvimentista ao mandato 3.0.

Haddad e a trilha do bom mocismo.

Frente a esse quadro, a opção de Fernando Haddad foi bastante clara e orientada por um certo pragmatismo, que o afasta de forma explícita e declarada de qualquer trilha desenvolvimentista.

[…] Houve uma sequência de atos e decisões que permitem comprovar tal trajetória. Antes mesmo da posse do novo governo, ainda durante a transição, Haddad convenceu Lula da necessidade de introduzir na PEC da Transição um dispositivo que relativizasse a revogação pura e simples do teto de gastos, imposto pela famigerada EC 95/2016. Com isso, o futuro governo obrigou-se a enviar ao Congresso Nacional uma lei complementar criando um novo regime fiscal. Na prática isso significava que, além de ter a política monetária já sequestrada pelo financismo privado, o novo “detalhe” poderia retirar também da política econômica a pujança necessária a ser oferecida pela política fiscal.

Na sequência, o novo governo viu-se diante da necessidade de oferecer a Lula os instrumentos para cumprir outra importante promessa de campanha, qual seja, retomar a política de reajuste real do salário mínimo. Mais uma vez, Haddad assumiu o lado da ortodoxia fiscalista e pressionou para que o novo valor fosse apenas R$ 1.302, sem nenhum ganho real. Na disputa interna no núcleo duro do Planalto, ainda no mês de janeiro, acabou prevalecendo a tese de levar a remuneração a R$ 1.320.

Arcabouço fiscal e reforma tributária: pauta do financismo

Ainda no domínio da política monetária, o governo poderia desde o início ter promovido uma alteração na meta de inflação, por meio de decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN). Ali têm assento a Ministra Tebet do Planejamento e Haddad, além de Campos Neto. Se houvesse disposição do titular da Fazenda, a decisão de trazer a meta para níveis mais realistas teria servido como um argumento a mais para que o COPOM tivesse reduzido a SELIC desde o começo do ano. Mas nem isso Haddad se dispôs a tentar.

[…] O próximo capítulo envolveu a elaboração do chamado “novo arcabouço fiscal”. Além da pressa, o Ministro da Fazenda estabeleceu interlocução exclusivamente com o Roberto Campos Neto (Presidente do BC) e com a nata do financismo privado. O governo terminou por não receber representantes dos sindicatos, de entidades profissionais ou pesquisadores de universidade e instituições independentes. Para elaboração do novo modelo, a regra foi manter a essência de compressão dos gastos sociais e das empresas estatais, mantendo a lógica perversa da busca de superávit primário.

[…] A etapa mais recente envolveu a assim chamada Reforma Tributária. Também nesse quesito, o Ministro da Fazenda assumiu a linha de frente pela aprovação da PEC 45. Trata-se uma proposta que estava parada há tempos no interior do legislativo, junto com outras proposições semelhantes. O grande receio das classes dominantes sempre foi que os governos do PT cumprissem com suas propostas de promover uma mudança mais efetiva em nosso sistema de tributação. Tratava-se de introduzir elementos que reduzissem o grau de regressividade e injustiça do modelo vigente, apontando para tributação de fato sobre rendas elevadas e sobre patrimônio. E o interessante é que boa parte de tais mudanças não necessitam nem mesmo de mudança constitucional. Bastariam, por exemplo, uma medida provisória eliminando a injustificável isenção de lucros e dividendos, uma portaria do Ministério da Fazendo tributando a exportação de minério de ferro, petróleo e soja, além um projeto de lei complementar disciplinando o Imposto sobre Grandes Fortunas. Mas o foco de Haddad concentrou-se exclusivamente no processo de simplificação da cobrança dos impostos sobre consumo. (+1480 palavras, Vermelho)

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal no Brasil.

Também de Kliass, entre outros, Lula entre a Selic e o calabouço fiscal, Lula e o salário mínimo, O engodo da reforma tributária, A eterna chantagem do financismo, O imbroglio do Banco Central, Austeridade sob Lula 3.0, Bolsonaro, o Copom e a Selic e Desvio de função no Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, diretor do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo e da Engenharia pela Democracia, conselheiro da Casa do Povo, Sinal, CNTU e Aguaviva, membro do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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