Lula entre a Selic e o calabouço fiscal

Foto: Ricardo Stuckert

Paulo Kliass, em Outras Palavras

Em seu início, governo entra num labirinto de juros elevados e “austeridade suave”, quando precisaria elevar despesa pública para a reconstrução do país. É preciso enfrentar o financismo, que tenta capturar a política econômica através da monetária

Dentre as inúmeras aberrações que marcam o processo de tomada de decisões do Banco Central (BC) encontra-se a famosa pesquisa Focus. A cada segunda-feira, as páginas da instituição divulgam um relatório contendo as chamadas “expectativas de mercado” a respeito de algumas das variáveis mais relevantes para a conformação dos cenários macroeconômicos futuros. O “pequeno detalhe” é que os questionários elaborados pelo órgão responsável pela regulação e fiscalização do sistema financeiro só são respondidos por pouco mais de uma centena de pessoas. Trata-se de um seleto grupo escolhido a dedo, formado por dirigentes e integrantes do alto escalão de bancos e de empresas que atuam no financismo.

Assim a direção do BC ausculta apenas o que esse pessoal tem a dizer sobre o crescimento do PIB, sobre os níveis de inflação, sobre a taxa de câmbio e sobre a própria taxa oficial de juros. E a partir de tais opiniões nada descomprometidas e tampouco ancoradas em alguma neutralidade técnica, os nove membros da diretoria do BC se travestem de membros do Comitê de Política Monetária (Copom) a cada 45 dias e definem o patamar da Selic. O nível de captura do órgão regulador é absolutamente flagrante e não apresenta a menor cerimônia em revelar a que tipo de interesse se prestam seus dirigentes.

Nunca são ouvidos ou chamados a debater e emitir opiniões aqueles economistas e/ou profissionais que não rezem fielmente pela cartilha do dogma conservador. As posições de professores universitários ou pesquisadores não são levadas em consideração, pois talvez incomodem ao questionarem os fundamentos da política monetária equivocada e contrária aos interesses da maioria da população. Tudo se passa como se não houvesse alternativa à ortodoxia e ao arrocho da taxa de juros. Trata-se de um enorme engodo, pois é mais do que sabido que a economia não é uma ciência exata. É um campo do conhecimento que pertence ao ramo das ciências humanas e sociais. Sempre existem diferentes opções, em especial quando se trata de decisões de política econômica e de políticas públicas a serem adotadas pelos governos. (+1587 palavras, Outras Palavras)

Lula sabe muito bem que a tal da fadinha mágica das expectativas não virá apenas por meio de uma eventual pequena redução da taxa Selic. Apostar apenas na política monetária para obter a expressiva elevação necessária nos níveis de investimento em nosso país é um tremendo equívoco. Tudo leva a crer que Fernando Haddad, infeliz e ingenuamente, ainda acredita nessa hipótese de que o investimento privado vai liderar a nova fase de crescimento do PIB. . Tanto que integrantes da equipe econômica ainda se valem das expressões dos tempos das missões do Fundo Monetário Internacional (FMI), recuperando frases absolutamente inadequadas, como as que o “Brasil precisa fazer seu dever de casa”. Ora, faz muito tempo que recuperamos nossa soberania nesse quesito da política econômica e não devemos satisfação a ninguém que não ao próprio povo. Quem seria essa figura anacrônica, esse professor disfarçado que estaria exigindo de nosso País tal tipo de sacrifício?

É fundamental para o sucesso do novo governo que Lula saia deste labirinto criado pela Selic elevada e pela ameaça do arcabouço fiscal. Como diz o lema oficial, “O Brasil voltou! ”. Mas para que essa volta seja de fato sentida pelo povo, é necessário que o governo coloque em marcha, de forma urgente, seu programa de retomada do desenvolvimento. E isso envolve a elevação das despesas e dos investimentos governamentais. A preocupação excessiva em apresentar resultados positivos aos olhos do financismo não é, com toda a certeza, a melhor estratégia para implementar esse projeto político e de país.

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal no Brasil.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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