
Quarto capítulo do livro O dinheiro, sua história e a acumulação financeira, de Iso Sendacz.
A obra acompanha o curso homônimo, ministrado em 2020 na Escola Nacional de Formação da CTB.
Movimento financeiro internacional
O processo de acumulação de riqueza e capital conduziu paulatinamente à sua concentração e centralização nas mãos de cada vez menos indivíduos, vencedores da disputa concorrencial própria da constituição do capitalismo. O aumento das disponibilidades deu-se tanto pelo reinvestimento dos lucros da empreitada realizada, como pela apropriação de outros capitais e riquezas – nos capítulos seguintes serão tratados os mecanismos de crédito e meramente financeiros, usados contemporaneamente para acelerar a reprodução do capital e ampliar a riqueza individual.
Em um momento dado, de acordo com a evolução do capitalismo em cada país, um único truste ou um cartel – acordo entre reduzido número de titulares de capitais – passou a dominar completamente um mercado nacional; de início, os setores industriais, agrários e comerciais foram monopolizados, adiante o bancário seguiu o mesmo caminho. A marcha do desenvolvimento capitalista levou, desde o final do século 19, à fusão do capital bancário com os demais, sob hegemonia daquele, formando o que Hilferding chamou de capital financeiro.

Não obstante a concentração de capital observada em nível nacional, entre as diferentes economias o ritmo de expansão da produção era distinto, em razão do domínio primeiro do vapor e, mais adiante, da eletricidade e da combustão interna. A aplicação das novas energias no mundo do trabalho permitia uma produtividade muito superior nas nações tecnologicamente adaptadas em relação às demais.
Os excedentes produzidos nos centros industrializados eram trocados com os países que viviam sob a exploração colonial ou manufatura quase artesanal. Os termos de troca exigiam destas últimas cada vez mais unidades de mercadoria ou moeda, em geral o próprio lastro metálico.
O movimento seguinte dos capitais monopolistas atravessou fronteiras: se a expansão nos marcos nacionais estava limitada por já ser completo o domínio dos que se sobressaíram no processo produtivo nacional, novos territórios abririam espaço para mais crescimento e mais monopólio, desta vez à escala internacional.

Como é sabido pela História, a acomodação entre os interesses nacionais e os dos centros imperialistas, e destes entre si, raramente foi de comum acordo e nem sempre foi pacífica. Uma combinação de armamento pesado e propaganda ideológica foi desenvolvida para primeiro convencer os agentes estatais locais e outros interessados no território e, na insuficiência da argumentação, intervir militarmente para pôr fim à resistência à reprodução do capital em migração.
Os novos mercados ajudavam duplamente as matrizes dos trustes e carteis. De um lado, propiciavam mão-de-obra, instalações e matérias primas mais baratas ao processo produtivo nos países periférico; de outro, abriam novo mercado consumidor para realizar as mercadorias produzidas não só nos países dependentes, mas no de sua própria origem, muitas vezes obsoletas no interesse do público nacional.
Os movimentos de capitais do centro para a periferia eram feitos de duas maneiras: empréstimos em dinheiro, remunerados em forma de juros contratados, independentemente do resultado econômico da sua aplicação no país de destino; e investimento estrangeiro direto, voltado à instalação ou compra de plantas produtivas, cujos lucros da operação serviam de remuneração ao capital remetido em forma monetária ou de meios de produção.
Mais recentemente, em movimento facilitado pelos meios de comunicação e processamento dados, capitais se movimentam com finalidade exclusivamente especulativa, procurando obter um ganho na sua reprodução em aproveitamento de oportunidades temporárias nos mercados espalhados pelo mundo. Alguns dos principais desses mecanismo estão detalhados no próximo capítulo.
Em todas as suas formas, o movimento internacional do capital do centro imperialista para os demais países funciona como se fosse um empréstimo, ao qual se espera – e procura garantir – um retorno monetário maior que a remessa, a ser pago pelos nacionais beneficiários.
A mesma força dissuasória original (convencimento e amedrontamento) segue sendo aplicada para assegurar o retorno do capital migrado, de preferência na sua forma monetária equivalente.
Câmbio de moedas
Como vimos, o dinheiro é a representação de uma abstração humana, criado para desempenhar funções de intermediação mercantil, expressão de riqueza e denominador comum de preços das demais mercadorias em escala local, abrangendo a economia de uma sociedade em marcos territoriais mais ou menos limitados.
De acordo com relação disponível na Wikipédia[1], 182 distintas moedas circulam em 236 Estados nacionais e territórios independentes ao redor do globo terrestre. Há países com uma única moeda em circulação, regulada pelo Estado nacional, como os EUA e seu dólar e o Brasil e seu real; outros, como a República Saariana, têm diversas moedas na sua economia. Nações como Nauru operam com moeda local (dólar nauruano) em conjunto com moeda estrangeira (dólar australiano), enquanto em outras circulam no comércio somente dinheiro de outros países, como em El Salvador, que se serve do dólar dos EUA, e Zimbábue, que aceita dinheiro de cinco outras distintas nacionalidades. Muitas ex-colônias criaram sua moeda independente homônima à da antiga matriz, como o peso argentino e o franco guineense, enquanto outros, especialmente no continente europeu, uniram-se para adotar o euro como moeda transnacional única.

Se o dinheiro é o equivalente universal das mercadorias, como valorá-las em meio à profusão de moedas existentes no mundo?
Em uma economia de moeda única, os preços estão, ou deveriam estar, todos denominados como uma certa quantidade de dinheiro local. Caso circulem duas ou mais moedas no país, cada mercadoria terá estabelecida uma quantidade de dinheiro de cada uma das espécies aceitas, tornando relativamente simples estabelecer os termos de troca médios entre uma e cada uma das outras moedas.
É possível que em estabelecimentos diferentes os preços relativos em cada moeda variem, convindo a um consumidor de posse de ambas ou várias espécies de dinheiro fazer a troca pela mercadoria em tela na moeda de sua conveniência. Por exemplo, o comércio próximo a um produtor que oferece suas mercadorias na Moeda 1 pode proporcionar vantagens a quem lhe venha comprar nessa moeda. Mas uma mercadoria importada pode ser mais fácil de ser adquirida na loja na Moeda 2, por essa ser mais aceita que a outra junto a contrapartes no exterior.
Da mesma forma se procede nos negócios internacionais: as mercadorias são trocadas por dinheiro, e vice-e-versa, na moeda conveniente a ambos os comerciantes. Quando o comprador não dispõe de dinheiro em forma aceita pelo vendedor, poderá, previamente ao ajuste comercial principal, tentar adquirir a moeda desejada, em quantidade suficiente para a avença, no mercado de câmbio.

Como qualquer mercadoria, é possível trocar uma certa quantidade de dinheiro de uma espécie por outra quantidade expressa em outra moeda. À operação de troca de moedas distintas se dá o nome de câmbio (em espanhol o vocábulo significa “troca”). Em muitos países, como o Brasil, o ambiente de troca de moedas é regulamentado e supervisionado pelas autoridades nacionais; mas isso não invalidada que a permuta ocorra fora desses ambientes, de maneira informal ou mesmo ilegal, em escala local ou internacional.
[1] Wikipédia. Disponivel em https://pt.wikipedia.org/wiki/ Lista_de_moedas; consulta em 22.10,2022)
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