
Terceiro capítulo do livro O dinheiro, sua história e a acumulação financeira, de Iso Sendacz.
A obra acompanha o curso homônimo, ministrado em 2020 na Escola Nacional de Formação da CTB.
A evolução da Humanidade
Domínio da energia e da técnica
A possibilidade cognitiva do fabrico de instrumentos que elevaram a produtividade do trabalho humano sempre foi condicionada ao aproveitamento, transformação, armazenamento e distribuição da energia existente na Natureza.
A domesticação de animais e o uso de sua força para a aragem dos campos e o transporte da colheita multiplicou o esforço até então apenas humano nas tarefas de produção agrícola. Da mesma forma contribuiu o aproveitamento das quedas d’água na moagem dos grãos, entre outras finalidades.
A energia eólica – gerada pelo vento – permitiu o transporte marítimo e fluvial à vela, poupando a energia de muitos remadores e expandindo o território de trocas mercantis para além do que alcançavam os carros de boi.

Mas o processo somente se tornou revolucionário com o advento da máquina a vapor. Produto da transformação da água em estado líquido, mediante adição de calor, a nova forma de energia foi capaz de mover de teares a locomotivas e navios, desde que disponível o carvão mineral ou, no mínimo, lenha bastante para produzir a quantidade necessária de energia para vaporizar a água e movimentar o maquinário. Estima-se que na primeira revolução industrial, iniciada no Reino Unido, a produtividade tenha sido multiplicada por setenta: uma única máquina, com um único operador, fazendo o trabalho que antes setenta humanos precisavam empreender com seu esforço pessoal.
Adiante, os combustíveis fósseis mostraram-se mais eficientes que o vapor, apesar de mais poluentes e mais difíceis de extrair do subsolo, bem como de adquirir sua forma útil: querosene e gasolina, entre outras frações do petróleo. No entanto, permanecia uma limitação já conhecida desde os tempos do vapor: ambas as energias precisavam ser geradas junto à máquina que a usaria.
Nova revolução veio do uso da eletricidade: uma fonte de energia limpa, que podia ser produzida em um lugar e transmitida a outro ponto distante, para armazenamento e uso em aparelhos industriais e domésticos. Mas esse ainda não foi o ponto final.
Os tristes eventos da segunda guerra mundial mostraram o que é a energia nuclear, cujo potencial é muito superior a tudo o que já se viu, mas que até hoje carece de controle – algo como explodir o átomo sem explodir a caldeira. Se o processo de fissão nuclear do urânio já é regularmente executado nas usinas nucleares, a fusão dos átomos de hidrogênio ainda pertence ao campo de estudos, para uma produção segura de energia a partir do elemento natural com farta presença na natureza. Mesmo após décadas de desenvolvimento, o uso hoje dessas fontes ainda é limitado face à necessidade humana.
Há mais energia no Universo, como aquela que mantém os corpos celestes uns girando em torno dos outros, sem vagar erraticamente pelo espaço.
Rara a lista das invenções humanas que não inclua a roda entre as dez mais, talvez na maioria delas como a mais importante da história. O seu uso no transporte em muito facilitou o arraste de cargas e dos passageiros, mas não foi o único. Serviu, entre outras finalidades, à transformação da energia das quedas d’água em força mecânica, bem como de elemento de transmissão quando acrescida de dentes de engrenagem ou correias.

Das máquinas industriais aos veículos automotores, da telefonia aos “mais pesados que o ar”, o aproveitamento da energia natural e sua comutação em formas úteis à substituição do esforço laboral humano pelo de aparatos artificiais, permitindo um ganho tal de produtividade que a abastança da espécie deixou de ser uma possibilidade apenas teórica.
A nova fronteira é o uso da “inteligência” artificial na operação produtiva e mesmo doméstica, com a concepção de algoritmos que, se não se aproximam da capacidade de abstração da própria espécie, fazem inclusive opções operacionais diante de situações não programadas, mediante simulações quase instantâneas de resultados possíveis.

A substituição do esforço físico, longe de significar necessariamente o desemprego da força produtiva essencial – o trabalho humano -, pode liberar tempo e energia dos indivíduos da espécie tanto para o aprimoramento da própria cognição e pensamento abstrato, mediante o desenvolvimento da arte e da ciência, como para o invento de ferramentas e engenhocas ainda mais eficientes e eficazes não só para aproveitar melhor a energia natural e ser ainda mais produtivo na transformação dos elementos da Natureza, como também melhorar o seu próprio conforto e bem-estar e as condições de vida das outras espécies vivas, daqui ou de outras plagas desta e de outras galáxias.
Sistemas econômicos precedentes ao capitalismo
A evolução dos sapiens permitiu, entre outras coisas, o estabelecimento de relações econômicas entre os indivíduos. Da especialização das funções que cada indivíduo praticava no seu bando às trocas mercantis entre pessoas e grupos, a disponibilidade de mercadorias naturais ou leve e crescentemente manufaturadas aumentou. Com o advento da agricultura, a espécie poderia ter avançado em paz, não fossem as terras férteis em torno das moradias insuficientes para alimentar a crescente população humana.
Além do solo, o plantio demandava mão-de-obra em grande número, pois as ferramentas e os animais de tração disponíveis não permitiam dar conta das safras com pouco produtores. Daí, apoiada por efetivo e armamento militares, organizaram-se as relações escravagistas, submetendo populações ao trabalho pela força e se apropriando do produto todo, exceto o mínimo de calorias necessárias ao labor do dia e da estação seguinte. De se notar que a formação dos exércitos também destacava os soldados e artesãos do processo produtivo social, gente que não produzia para seus semelhantes, mas consumia boa dose do que saia das fazendas e oficinas dos tempos do antigos Egito e Roma.

Muito não tardou, em termos históricos, em os senhores de escravos e da produção destinarem parte dos escravos aos seus serviços domésticos.
A importância do solo para a economia humana fez evoluir o sistema escravagista às relações feudais, que começaram a surgir na Europa Ocidental com a desagregação do Império Romano e se tornaram típicas na Idade Média. Os senhores e seus herdeiros mesclavam títulos de nobreza e vastas extensões de terra, que adiante, agrupadas, deram origem aos países, na forma como hoje os conhecemos. Os produtores, na medida em que o novo sistema se impunha, não mais eram escravos, mas vassalos do senhor feudal. Parte do esforço laboral era aplicado em gleba de sua posse, para o seu sustento, e o restante na porção do feudo destinada ao sustento do senhor, detentor da propriedade de todo o feudo. Assim como d’antes, os vassalos também contribuíam com as tarefas domésticas dos nobres encastelados e lhes serviam como soldados na defesa de suas propriedades e anexação de outras.

Ambos os sistemas, baseados na exploração econômica do homem pelo homem, existiram simultaneamente por séculos, e mesmo hoje não de todo foram abolidos no planeta Terra. No entanto, em cada dada região do globo, as relações de produção feudais em regra foram sucessoras das relações escravagistas. Foi um período em que o dinheiro já era usado tanto na intermediação mercantil como instrumento de acumulação primitiva de riqueza.
Princípios das relações capitalistas
Capital, trabalho e terra
As trocas mercantis e a acumulação financeira são fenômenos bastante antigos. Mas somente quando essa forma de relacionamento, fortemente fundada na propriedade privada das coisas, naturais ou fruto do trabalho, tornou-se hegemônica entre os humanos e passou a condicionar a existência individual é que se pode qualificar como capitalistas as relações econômicas entre as pessoas.
Considera-se capital a propriedade da pessoa do capitalista destinada ao uso na produção de novas mercadorias e auferição de lucros para além do seu próprio sustento: máquinas, matérias primas, meios de transporte e trabalho humano adquirido, ou o equivalente de qualquer das espécies em dinheiro.
Note-se que meios naturais de produção, como a terra e fontes de energia, já existiam quando do surgimento do capitalismo e mesmo antes de a Humanidade constituir-se enquanto tal. Nesse caso, só integram o capital os meios de produção criados pelo trabalho para o seu aproveitamento no processo produtivo, como uma barragem destinada à transformação de energia potencial hidráulica em eletricidade ou a adubação de um terreno para favorecer o plantio agrícola, por exemplo.

Somente a força de trabalho – mercadoria de propriedade exclusiva da pessoa do produtor, que pode, no capitalismo, ser adquirida pelo capitalista mediante a troca por dinheiro – é capaz de transformar a natureza das coisas e produzir novos meios de produção e de vida. As demais não se transformam por conta própria, exceto pela lenta evolução natural da matéria.
Tudo o que já existe no início do processo produtivo é chamado de capital constante (alguns autores separam-no em capital fixo e insumos à produção, classificando estes como custos variáveis). O conceito engloba matéria em estado natural, instalações, maquinário, ferramental, energia e matérias primas. É sobre eles que se aplica o trabalho, adquirido pela parcela do capital dita variável, aumentando a utilidade e o valor de troca dos bens resultantes do uso produtivo do capital constante.
A diferença de valor entre o capital constante original e o que resulta da sua transformação produtiva, no entanto, não é distribuída unicamente aos produtores segundo o trabalho executado ou a necessidade individual, mas parcialmente apropriada pelo capitalista, titular socialmente reconhecido do capital constante original ou o equivalente monetário usado na empreita. Isso se dá porque as mercadorias produzidas são igualmente consideradas propriedade privada do capitalista e embutem no seu valor, independentemente da sua utilidade ou possibilidade de troca por outra mercadoria, o capital consumido na empreita, o preço da força de trabalho e o lucro que o capitalista espera alcançar, equivalente à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e soma do valor da força de trabalho e dos elementos do capital constante existentes antes da produção das novas mercadorias propriamente ditas.

O mesmo conceito visto desde a ótica de quem efetivamente produz novas mercadorias: no capitalismo, a força de trabalho é uma mercadoria como outra qualquer, de propriedade privada do trabalhador. Sua utilidade social, como visto, é a produção de novas mercadorias, quando aplicada sobre o capital constante. Seu valor, porém, é bastante inferior ao valor que produz, ao ter seu valor de uso, que é o próprio trabalho, parcialmente apropriado pelo capitalista: o valor da força de trabalho resume-se, de modo geral, ao valor das mercadorias que consome para ser produzida, ou seja, aquilo que mantém o trabalhador vivo, saudável, produtivo e reprodutivo.
Quando o capitalista compra mão-de-obra para, junto com o capital constante de que dispõe (próprio ou emprestado), ver produzir novas mercadorias que valem mais que os custos de produção, ele se apropria do trabalho excedente, já que o estoque de mercadorias de sua propriedade vale mais que a parcela de capital fixo empregada e a força de trabalho contratada para a sua confecção. O incremento de riqueza equivale à diferença do valor alcançado com a venda das mercadorias pelo capitalista e os gastos com capital constante e variável, entre eles a própria força de trabalho empregada na produção. A esse quantum Marx deu o nome de mais-valia.

O capital constante assume três formas principais: uma no processo produtivo, meios de produção e força de trabalho; e duas na circulação, dinheiro e mercadorias. A cada ciclo espera-se que ele esteja maior que na partida anterior. Assim, se o capitalista dispõe de certa quantidade de dinheiro e a transforma em meios de produção e força de trabalho, espera que a venda das mercadorias resultantes do processo produtivo importe em mais dinheiro do que tinha antes. O mesmo sucede se o capitalista dispuser de uma quantidade de mercadorias: as vende esperando, com o dinheiro em mãos, produzir ou adquirir uma quantidade maior delas. Em resumo, o objetivo é aumentar o capital após uma rodada de circulação, mediante a apropriação do lucro do ciclo capitalista.
Por evidente, sempre que o capitalista tomar capital emprestado, na forma de dinheiro, meios de produção ou mercadorias em consignação, parte do lucro extraído do trabalho empregado no processo de circulação será transferida como renda aos titulares do bem ou direito cedido. A operação de crédito ou consignação pode ser feita diretamente entre os interessados ou por meio de intermediadores de capital, que aproximam os interesses de quem dispõe e de quem precisa de capital, em regra mediante a cobrança de uma participação na mais-valia da produção correspondente ao uso dos recursos.

O capital se presta a três finalidades principais: produção, comércio e renda em forma de juros. A primeira delas envolve a transformação da natureza das coisas, a partir da aposição de trabalho sobre os elementos do capital constante; a segunda refere-se à mera intermediação de mercadorias existentes, enquanto propriedade de um comerciante; e a terceira procura auferir renda a partir da forma monetária de capital, mediante a cobrança de juros por empréstimos de determinadas quantias da espécie. Todas as modalidades se reproduzem a partir da mesma fonte: a mais-valia, o excedente entre o valor da força de trabalho e o valor do produto do trabalho, isto é, das mercadorias.
Os ganhos do processo produtivo no modo capitalista remuneram, assim, a força de trabalho empregada e o conjunto dos capitais envolvidos no processo, inclusive e eventualmente os prestadores de serviços acessórios ao uso das frações de propriedade privada de cada capitalista.
Um bem, no entanto, não é produto do trabalho humano e, portanto, é destituído de valor: o Planeta Terra e seus recursos naturais – o solo, a água e o ar, para ficar no reino mineral. É matéria que precede a existência humana e, mesmo, a ocorrência da vida como a conhecemos.

A atividade laboral, no entanto, pode ser exercida sobre a superfície planetária e, em muitas situações, a ela fica ligada de forma permanente no modo capitalista de produção: adubação, irrigação, edificação e mineração, entre tantas possiblidades. Parte da mais-valia gerada pela agricultura, pecuária, extração de minérios e a construção de instalações produtivas ou residenciais é incorporada ao solo como capital constante, orientado a um novo ciclo produtivo ou uso pelos produtores. O resultado restante é compartido entre os capitalistas que exploraram o trabalho sobre o solo e os proprietários da terra, que auferem renda pela única razão de terem reconhecida a titularidade de um pedaço do planeta, fruto da sua apropriação individual, seja por meio da ocupação violenta das áreas terrestres, reconhecimento social da propriedade privada do solo ou aquisição por troca mercantil com mercadorias, entre elas o dinheiro.
A pessoa do capitalista pode exercer sua função social por mais de um meio: no limite, pode concentrar a propriedade da terra e o capital produtivo, sobre ela instalado, comercial e portador de juros, além de se servir da sua própria força de trabalho, auferindo renda de todas essas frações.
Crises cíclicas do capitalismo
Há um problema para o indivíduo empreendedor: para que a espiral capitalista se desenvolva a contento e ele de fato enriqueça, é preciso que realize a troca mercantil do bem que se apropriou por dinheiro, novos meios de produção ou outras mercadorias. Por mais que tenha boa predição do futuro e planeje adequadamente o uso do seu capital – próprio ou emprestado de terceiros – existem variáveis que lhe escapam ao controle. Os produtores que contratou precisarão de qual quantidade da mercadoria em oferta? Seus concorrentes, por serem mais produtivos ou disporem de capital mais barato, vão oferecer um preço menor e suprir a demanda social primeiro? Um desastre natural ou provocado – um incêndio criminoso ou uma guerra – destruirá todo ou parte do capital disponível? Não há certeza prévia de que as mercadorias de seu futuro estoque serão trocadas a preço pelo menos igual ao seu custo, quanto mais que tragam ao capitalista um lucro extra, depois de remunerados os capitais constante e variável empregados na produção.
Mesmo do ponto de vista coletivo, tampouco há certeza de a sociedade precisar, querer e poder comprar o conjunto das mercadorias produzidas.
Sempre que a mercadoria encalhar e perder valor, o capitalista diminui a riqueza de sua propriedade e mesmo o capital, se não dispuser de bens de uso ou conquistar crédito ao processo produtivo que comanda. No limite, a crise individual provoca a extinção do capital do sujeito, proletarizando-o, vez que só lhe restaria então a própria força de trabalho para vender. É possível salvar algo antes de consumada a sua mudança de classe social, transformando o capital que lhe restou em riqueza ou bens de consumo, em geral em favor de concorrente de maior porte que, dessa forma, faz ampliar o seu domínio do mercado em que atua.

Mais grave é quando a crise de superprodução atinge escala sistêmica. A natural necessidade de recompor a sempre cadente taxa de lucro – o desejo de ininterrupta expansão da espiral capitalista – mobiliza os capitais à mercados que parecem promissores, sempre em quantidade superior à necessidade social dos produtos em tela. Se de um lado o excedente leva à quebra de parte dos participantes e à concentração dos capitais nas mãos dos sobreviventes, de outro a redução do processo produtivo não se limita às mercadorias sobrantes, pois o desemprego e a desorganização das relações sociais fazem reduzir o potencial de compra da sociedade, dando início a um círculo vicioso de difícil interrupção natural.
A História mostra repetidos e alternados períodos de ascenso e queda do capitalismo, cada qual durando algumas décadas. Cada par forma um ciclo longo, em que se verificam padrões específicos no tempo e no espaço de reprodução do capital. Em cada um deles, movimentos de alta e baixa sucedem-se a cada cinco ou sete anos, formando os ciclos curtos, sem alterar a tendência geral do período.

Conforme explica Nilson Araújo de Souza, “a forma de desenvolvimento que o capitalismo assume em cada período histórico condiciona o caráter e a profundidade das suas crises, bem como o papel que estas podem cumprir, quer destruindo forças produtivas e restaurando as condições de valorização do capital, quer criando as condições para a destruição das relações de produção e ulterior progresso das forças produtivas”[1].
O padrão de reprodução do capital engloba “a forma de inserção no padrão imperialista global (país imperialista ou dependente); a forma de extração da mais-valia (absoluta, relativa ou superexploração); a ênfase do progresso das forças produtivas (processo de trabalho, meios de trabalho ou objeto de trabalho); as relações entre os setores produtivos (se a expansão se baseia no setor I, II ou III[2]; se se baseia em um setor I interno ou na importação dos meios de produção); o processo de circulação e os correspondentes padrões de distribuição de renda e de realização (predomínio do mercado interno ou externo, conformação do mercado interno); e a forma de dominação política imposta pela burguesia (forma de controle sobre a classe operária e demais setores dominados, pacto de dominação e bloco de forças no poder, setores burgueses subordinados e base social de apoio).”[3]
É exatamente nos momentos próximos ao ápice de cada ciclo longo, em que o correspondente padrão de reprodução do capital está próximo ao limite do seu desenvolvimento, que os ganhos do domínio da energia e novas técnicas de produção podem ser absorvidos, em razão da expansão do mercado global. O seu esgotamento, porém, precipita uma longa crise, entremeada por ligeiros períodos de expansão, que só pode ser resolvida, como vimos, com a substituição do padrão de reprodução dominante.
O revolucionário ganho de produtividade do trabalho obtido com o domínio primeiro do vapor e depois da combustão fóssil e da eletricidade sustentaram o desenvolvimento capitalista até a crise que culminou na Primeira Guerra mundial. O século 19, no entanto, não foi isento de crises capitalistas; a principal delas foi a primeira grande depressão, que permeou as décadas de 1870 a 1890. Novo período de avanço surgiu com a recuperação das forças produtivas destruídas no conflito até a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, quando nova depressão econômica se estabeleceu nos países capitalistas. Após a Segunda Guerra mundial, o capitalismo viveu a chamada “Era de Ouro”, até meados dos anos 1970, quando a financeirização do sistema levou-o à nova decadência, que perdura até os dias atuais.
Nos períodos de crise os preços imobiliário e dos meios de produção barateiam, facilitando a centralização do capital nas mãos de quem dispõe de moeda para comprar – os grandes capitalistas. Se o movimento não for suficiente para acomodar a produção ao mercado, não são poucos os exemplos de destruição de forças produtivas, de preferência daquelas pertencentes ao concorrente. Um dos mais tristes exemplos foi o bombardeio atômico sobre Hiroshima e Nagasaki pelas tropas estadunidenses, mesmo depois de o Japão estar próximo da rendição aos Aliados.

O papel do dinheiro no capitalismo
De acordo com a Autoridade Monetária brasileira, exercida pelo Banco Central do Brasil, o dinheiro se presta a três papeis principais:
- Meio de troca[4]: intermedeia a troca de mercadorias, vez que o vendedor aceita dinheiro por ela e, mais tarde, o oferece em troca de outra mercadoria, quando a comprar de outra pessoa;
- Unidade de conta (também chamada de denominador comum de valor): oferece um padrão para que todas as mercadorias sejam cotadas como quantidade de dinheiro, facilitando a comparação dos preços de distintos bens e serviços; e
- Reserva de valor: ao longo do tempo, espera-se que o dinheiro mantenha o seu poder original de compra, de modo que a riqueza ou capital não se deteriore, quando expressa na forma monetária.
Em termos práticos, espera-se que, em uma determinada economia, todas as mercadorias tenham preço expresso na moeda local, por ela possam ser trocadas a qualquer tempo e vive-e-versa e a quantidade e qualidade de outras mercadorias que certa quantia de dinheiro possa comprar seja preservada no tempo.

Nem sempre o dinheiro de um país ou comunidade internacional cumpre adequadamente o que dele se espera: por vezes todas ou parte das mercadorias são denominadas em moeda estrangeira, esta é aceita livremente ou de forma camuflada nas trocas mercantis e, recorrentemente, o dinheiro perde valor de troca com o passar dos meses e anos. É a inflação.
O fenômeno inflacionário consiste no aumento dos preços das mercadorias em geral. Isso ocorre, entre outros fatores, em razão do desequilíbrio entre a quantidade de mercadorias disponíveis para venda e de dinheiro disponível para compra. Quem dispõe de mercadorias desejadas pelos consumidores vai pretender extrair-lhes o máximo de dinheiro por elas, e um movimento contrário será feito pelos compradores, que pretenderão gastar o mínimo possível do dinheiro que têm para obter o que necessitam e desejam, mas não dispõem. Segundo os teóricos monetaristas, o desequilíbrio dos preços varia em consequência da quantidade de dinheiro disponível em na economia.

Outro acelerador de preços vem da restrição da oferta de mercadorias. Uma safra perdida em razão da seca, por exemplo, impulsionaria os preços dos alimentos para cima. Mas não só. Especialmente nos países dependentes, a dificuldade de acumulação de capital em razão da transferência de parte da mais-valia local aos países técnica e economicamente mais desenvolvidos dificulta a produção nacional de bens além dos produtos primários – agrícolas ou extrativos -, de resto voltados à exportação, encarecendo assim também o preço da porção que fica para o consumo local. É o modo estruturalista de explicar a inflação.
Em A Inflação Brasileira[5], Ignácio Rangel agrupa mais teorias da inflação, além das escolas monetarista e estruturalista. Segundo ele: “quando buscava descobrir a causa da inflação, uma teoria atinha-se a tentar determinar o que acelerava ou desacelerava a taxa de aumento dos preços. Os monetaristas afirmavam que a inflação era causada (acelerada) pelo aumento da quantidade nominal de moeda acima do aumento da renda; os keynesianos atribuíam-na ao excesso de demanda em relação à oferta agregada; os estruturalistas, a estrangulamentos na oferta e aos efeitos propagadores dos aumentos setoriais de preços; os administrativistas, ao poder monopolista de empresas, sindicatos e do próprio governo, que eram capazes de impor choques constantes de preços, os quais, em seguida, se propagavam para o resto da economia.”
Some-se a essas possibilidades o fator inercial, ou seja, a expectativa de que a inflação mantenha-se em um determinado patamar. Quando se espera um determinado aumento de preços os agentes econômicos, na medida do possível, o praticam, causando assim pelo menos a inflação esperada.
Uma quarta funcionalidade do dinheiro nos tempos atuais é a de operar como qualquer outra mercadoria disponível no comércio; procura-se comprar uma certa quantidade de dinheiro por um preço menor do que o valor de face e vender, depois, a um preço superior. Dando números brasileiros ao conceito, é como comprar cem reais por noventa e nove e depois vende-lo por cento e dois, lucrando três reais em cima do comércio da própria moeda. No capítulo cinco mecanismos do tipo são detalhados.
[1] SOUZA, Nilson Araújo. Teoria Marxista das Crises, Global Editora, 1992, pg. 85.
[2] Refere-se aos setores primário: agrário e de extração de matérias-primas; secundário: indústria, que pode ser segmentado em bens de capital (setor II a) e bens de consumo (setor II b); e terciário: venda de mercadorias, serviços e bens imateriais.
[3] SOUZA, Nilson Araújo. op. cit., pg. 86
[4] Alguns autores referem-se à essa função monetária como “meio de pagamento”, ou seja, crédito.
[5] Texto transcrito e alterado por CROCETTI, Zeno de RANGEL, Ignácio. A Inflação Brasileira. São Paulo: Brasiliense. 1978 e MATTOS, Antonio Carlos. A Inflação Brasileira, uma abordagem prática e moderna antes e depois do choque. Petrópolis: Vozes, 1987. Disponível em http://geocrocetti.com/rangel/inflacaorangel.htm, 22.10.2022.
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