O agro é pop?

Recebemos o artigo abaixo como contribuição ao presente debate sobre o agronegócio brasileiro. Quando o país se desindustrializa a olhos vistos e a pauta de exportações reduz-se a umas poucas culturas rurais, o tema ganha relevância não só pela carestia dos alimentos no Brasil, mas também pela concentração de renda que produz, sem contrapartidas sociais importantes. Boa leitura!

A propaganda é marcante. Apresentada, inicialmente, no horário nobre do canal televisivo de maior repercussão no país, mostra a importância de cada produto agrícola para a economia do país, além de toda a tecnologia envolvida no processo de produção. A propaganda é feita há tempos. Recentemente, outros canais também começaram a exibir propagandas do agronegócio e, ainda, programas e reportagens sobre o assunto. Ou seja, parece haver uma articulação bastante forte por parte do segmento para reforçar sua própria importância e imagem.

Ninguém duvida da importância do agronegócio. Ele traz divisas para o país e provê alimento às pessoas. E ainda está na cadeia produtiva de diversos outros produtos não alimentares. Mas reforço a pergunta: o agro é pop?

Em alguns anos de propaganda, nada se falava sobre os empregos gerados pelo segmento. Recentemente, após 4 meses de pandemia, iniciaram-se algumas inserções com pessoas se beneficiando dos empregos gerados pelo agro, ou mesmo vivendo de pequenos negócios do setor. Algo aconteceu durante a pandemia que gerou a necessidade de se reforçar a imagem da geração de empregos no agro.

Vários setores da economia vêm amargando prejuízos elevados, incalculáveis, durante o período de contenção do vírus. No entanto, não foi o que ocorreu com o agronegócio. Este viu seus lucros crescerem de forma surpreendente. A grande maioria das pessoas continua comendo, mesmo quando perdeu renda. E isso ocorreu no mundo inteiro. Além disso, o câmbio, que girava em torno de R$ 4 por dólar, antes da pandemia, já quase atingiu os R$ 6,00. Atualmente gira em torno dos R$ 5,5.  O agronegócio brasileiro, em sua produção mais significativa, é exportador, e vem se beneficiando desse câmbio altíssimo. Em boletim divulgado pela Fiesp, é possível perceber os efeitos de tudo isso. O saldo comercial do agronegócio foi 32% superior, em abril de 2020, se comparado a abril de 2019.

Em paralelo a esse bom resultado, vem sendo discutida, no país, a reforma tributária. Muitos agentes econômicos começam a se preocupar com o andamento das discussões. As contas do governo federal têm sofrido forte impacto do custo para se mitigar os efeitos da pandemia. Começam a surgir pressões de todos os lados para alterações tributárias, ou mesmo para que não haja alteração alguma. Vale lembrar que o agronegócio é bem representado no congresso pela bancada denominada ‘ruralista’, bastante atuante em defesa dos seus interesses.

Desde a Lei Kandir (LC 87/1996), as exportações praticamente não pagam impostos, o que gerou, inclusive, perdas significativas para alguns Estados da federação. Há poucos produtos, como fumo, armas e munições, que pagam imposto sobre a exportação. O incentivo veio num momento em que o país passava por problemas econômicos importantes, inclusive com relação as reservas cambiais. Qualquer incentivo para a entrada de moeda estrangeira era bem vindo. No entanto, de lá para cá acumulamos mais de US$ 350 bi de reservas, num movimento crescente e estável.

O agronegócio vem se beneficiando da taxa de câmbio para grande parte do seu faturamento, que é vendido no exterior. No mercado interno, só vende um produto que poderia ser exportado, se for para obter o mesmo ganho da exportação. Dessa forma, alguns produtos sofreram fortes elevações de preço, como p.e., o arroz. Por outro lado, nem todos os custos do agronegócio são influenciados negativamente pelo câmbio desvalorizado. Há produtos importados para serem utilizados no processo produtivo, mas que representam apenas uma fração do resultado das vendas dos produtos exportados. Esse é o motivo do aumento dos ganhos.

O desempenho do agro vem sendo amplamente divulgado, e deve ter gerado algumas perguntas, como p.e.: e os empregos? Vamos divulgar os empregos que geramos? Provavelmente na esteira dessa preocupação vieram as propagandas mostrando pessoas se beneficiado da atividade do agro em pequenos negócios ou mesmo como empregados.

Não houve a divulgação, no entanto, da quantidade de empregos gerados, ou mesmo do aumento de empregos na cadeia produtiva. Até porque, é fato, o agronegócio está cada vez mais mecanizado, automatizado. Máquinas coletam cana, café e todo o tipo de produto, com apenas um operador. Outras aram a terra ou coletam produtos sem mesmo o operador, após uma programação de sistema, que se baseia em dados reais via GPS.

E aí fica a pergunta: por que ainda há o incentivo da isenção/imunidade tributária para o agro? O agronegócio brasileiro, competitivo em termos globais, e que se beneficia há bom tempo do câmbio desvalorizado. Setores com empresas menores geram muito mais empregos que o agro. O país está no controle do uso de suas reservas cambiais. O agro aumenta seus ganhos a cada dia. Hora de tributar? Parece que sim.

Além disso, outro argumento para a tributação nesse momento de pandemia, diz respeito a quem está ganhando e quem está perdendo com a crise. Pelo relatado, o agro tem tido ganhos extraordinários. Por outro lado, vários setores têm tido perdas extraordinárias: restaurantes, hotéis, academias, cabeleireiros, salões de beleza, comércio de rua e tantos outros pequenos negócios, formais e informais. Tamanho foi o estrago nesses segmentos, que o governo separou boa parte dos recursos para evitar uma desgraça humanitária de grandes proporções.

O problema do governo, no entanto, é de onde tirar esses recursos. E aí a proposta de que, num momento extraordinário, o governo, em sua função de manter o equilíbrio da atividade econômica e do emprego, arrecade mais de quem está tendo ganhos extraordinários e redistribuía para quem tem tido perdas extraordinárias. A propósito, é bom lembrar do pequeno agronegócio, familiar, que vende no mercado interno. Este, sem a vantagem trazida pela desvalorização cambial, vem sofrendo perdas significativas. Participantes do mesmo setor, mas com resultados completamente diferente.

Enfim, não dá para fazer de conta que não tem ninguém ganhando durante a pandemia. Não dá para o pessoal do agronegócio fazer de conta que nada está acontecendo. O agro é tech, o agro é lucro, mas o agro não tem sido pop.

Tributação do Agro no mercado financeiro.

No mercado financeiro o agronegócio de grande porte traz benefícios aos grandes agricultores, e também a investidores de determinados papéis emitidos por essas empresas, ou lastreados em recebíveis dos seus clientes.

Investidores do sistema financeiro e do mercado de capitais possuem uma vasta gama de opções para remunerar seus recursos. Desde a poupança, isenta para a pessoa física, passando pelo CDB, e chegando a produtos bem mais sofisticados. É senso comum que os CDB costumam pagar maior remuneração que a poupança, tendo em vista a tributação que haverá sobre os ganhos.

Porém, a poupança não é a única opção de investimento isenta de impostos. Há instrumentos de captação no mercado que também o são. A Letra de Crédito Imobiliário (LCI), vendida pelos bancos, é um deles. Ela é vinculada ao financiamento imobiliário concedido pelos bancos, que lhe é lastro para a emissão. Os bancos só podem vender LCI em proporção ao que financiam ao setor imobiliário. Similar a esse produto, no mercado de capitais há o Certificado de Recebível Imobiliário (CRI), que também é lastreado por recebíveis do setor imobiliário. A propósito, para o CRI, há a possibilidade de utilizar aluguéis a receber como lastro.

No segmento do agronegócio há produtos com benefícios similares. Os bancos vendem LCA aos seus investidores, enquanto que no mercado de capitais há os CRA. Assim como no segmento imobiliário, onde se tentou incentivar o aumento de oferta de residências, esses instrumentos e suas vantagens tributárias foram criados para incentivar o financiamento e desenvolvimento do agronegócio. Ao se adquirir uma LCA ou um CRA, o investidor ‘pessoa física’ não paga imposto de renda sobre seus ganhos.

Um CRI, em relação à LCI, é mais flexível no que tange ao seu lastro. No CRI é possível utilizar, p.e., aluguéis como lastro de sua emissão. É interessante perceber um certo desvio em relação ao benefício tributário, tendo em vista que aluguéis não geram investimento em novas moradias, principalmente as de baixa renda, mas tão somente de investimento na área de construção para fins comerciais (shoppings centers, galpões, etc).

Isso também ocorre com o CRA, mais flexível que a LCA; nesse caso, muito mais flexível. Na legislação do CRA, menciona-se que os recebíveis da cadeia do agronegócio podem ser utilizados como lastro. Dessa forma, tanto o produtor quanto seu fornecedor, ou mesmo toda a cadeia logística do agro, e ainda atacadistas e distribuidores (supermercados), geram recebíveis que podem lastrear CRA.  Há operações em que um grande supermercado emite debêntures que, por sua vez, servem como lastro para a emissão de CRA. O atacadista que vende aos supermercados contrata uma securitizadora que, utilizando esses recebíveis como lastro, emite CRA e os vende a investidores, remunerando o atacadista de forma antecipada em relação à agenda financeira dos recebíveis.

As instituições do mercado financeiro e de capitais são sensíveis a esses incentivos, pois podem emitir LCA ou CRA que serão negociados de forma isenta para o investidor. Dessa forma, os bancos conseguem captar recursos mais baratos em relação à emissão de CDB e, então, utilizar de forma mais vantajosa esses recursos obtidos. As securitizadoras conseguem atender aos seus clientes, detentores dos recebíveis, negociando os CRA rapidamente junto aos investidores, e então angariando a sua remuneração pela intermediação na operação.

Dessa forma, fica mais fácil para todos os elementos da cadeia do agronegócio obter linhas de crédito. E qual o problema disso? O problema é que não há tributação sobre os títulos emitidos às pessoas físicas (LCA e CRA), lastreados nessas linhas (recebíveis). Ou seja, há perda de arrecadação para toda a sociedade, enquanto o ganho fica, em parte, nas mãos de grandes agricultores, em parte com os intermediários e, em parte com investidores, que aplicam grandes montantes de recursos, de forma isenta.

Alguns diriam que é uma troca justa, perder arrecadação para incentivar a produção de alimentos, ainda mais tendo em vista o pequeno agricultor. Pelo princípio, é bom esclarecer que a produção dos pequenos não possui características comerciais desejáveis pelos bancos e pelos investidores; ou seja, não são beneficiados por essa isenção tributária.

Outro ponto é que o CRA é excessivamente flexível em relação ao incentivo à produção, na medida em que insere recebíveis de toda a cadeia do agronegócio como lastro do título. Dessa forma, incentivam não somente o produtor rural, mas uma série de outras empresas, muitas de grande porte, que nem precisariam do incentivo, uma vez que conseguem captar recursos baratos no mercado, tanto pelo seu tamanho quanto pela sua credibilidade e capacidade de pagamento. Na mesma via, não repassam esses benefícios aos preços dos produtos e aos compradores.

Vale lembrar que, em relação à cadeia logística, há empresas igualmente grandes, que transportam produtos aos portos, para exportação, como soja, milho, carne e outros itens produzidos também por grandes produtores, e que também são beneficiados, desnecessariamente.

Vale ressaltar, enfim, que toda a discussão acerca de isenções e imunidades tributárias só faz sentido quando a queda de arrecadação gera contrapartidas mais amplas e mensuráveis para toda a população ou grande parte dela.

Agradecemos a generosidade e a pesquisa do autor anônimo, que nos levou a concluir que não, o agro não é pop.

Referências/Fontes consultadas pelo autor:

https://www.fiesp.com.br/arquivo-download/?id=265694

https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Kandir

https://www.fazcomex.com.br/

https://exame.com/mercados/grupo-pao-de-acucar-vai-emitir-ate-r-1-bi-em-debentures/

https://www.bancobv.com.br/ … /Material-Publicitario-CRA-CBD-Versao-Final.pdf

https://downloads.xpi.com.br/BO/19102016_AVISO_AO_MERCADO_GPA.pdf

https://cms.santander.com.br/ … /arq-corporate-finance-ofertas-andamento-jbs … .pdf

https://static.bancointer.com.br/ … /ofertas-publicas

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

8 comentários em “O agro é pop?

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