Dinheiro, sua história e a acumulação financeira: dinheiro

Segundo capítulo do livro O dinheiro, sua história e a acumulação financeira, de Iso Sendacz.

A obra acompanha o curso homônimo, ministrado em 2020 na Escola Nacional de Formação da CTB.

O equivalente universal

Conforme a atividade de produção destinada às trocas mercantis ganhava corpo e diversificava o leque de mercadorias disponíveis, mais complexas se tornavam as negociações entre as partes envolvidas no escambo[1]. Além disso, cada vendedor interagia com um número cada vez maior de contrapartes, cada qual apta a satisfazer uma necessidade individual diferente. No entanto, nem sempre a mercadoria disponível para troca era de interesse do titular do item oferecido, tornando ainda mais difícil o acerto dos termos de troca.

A capacidade humana ímpar de abstração desenvolveu a solução: e se todas as mercadorias pudessem ser quantitativamente representadas por uma única “mercadoria”, um símbolo aceito por todos os produtores e consumidores, por todos os vendedores e compradores, como equivalente universal de todas as demais?

A esse símbolo, a essa mercadoria especial, deu-se o nome de dinheiro.

Assim, um produtor de carnes salgadas podia trocar porções do seu excedente por uma certa quantidade de dinheiro. Logo a seguir, ou mais adiante, oferecia parte do recurso monetário em sua posse a outros produtores, em troca de mercadorias de seu interesse, como por exemplo o sal, necessário ao seu processo produtivo, legumes para consumo alimentar ou um elegante colar de conchas para uma tentativa de acasalamento.

Cada qual dos vendedores podia, doravante, trocar os meios monetários recebidos do produtor de carne salgada por outras mercadorias, inclusive aquela ofertada pelo comprador original dos seus produtos.

Ao longo da história, o dinheiro assumiu diversas formas. Suas representações originais baseavam-se em elementos da natureza, como cabeças de gado e sal. Este, utilizado pelos romanos como pagamento aos integrantes das centúrias, trazia consigo um sério inconveniente: era fungível, ou seja, uma enchente poderia, literalmente, dissolver a reserva monetária do seu proprietário. No caso do gado, além de perecíveis as unidades, a portabilidade na função “dinheiro” era também bastante complicada: as partes permutantes demandariam conhecimento técnico para tocar a boiada, um na ida e o outro ou ambos na volta.

A fungibilidade foi resolvida, a partir da Idade Média, com o uso de moedas e barras de metais e a cunhagem do correspondente valor de troca sobre a peça, além de alguma identificação do magno poder que conferia legitimidade ao dinheiro. Ainda pesado ao transporte, o dinheiro metálico foi substituído por cédulas de papel, de início lastreadas no metal original e, modernamente e com o seu esgotamento na Natureza, baseadas no poder soberano dos Estados nacionais. O advento da tecnologia da informação tem permitido cada vez mais a criação, armazenamento e circulação de dinheiro digital. Em algumas situações, é a única forma aceitável da moeda.

A riqueza

Riqueza refere-se à abundância ou abastança de bens, materiais ou não, à disposição do indivíduo ou de um grupo deles – no limite todos os viventes. É algo que pode ser acumulado no tempo e transmitido de geração em geração.

É natural que os bens materiais sofram desgaste e percam utilidade ou qualidade ante às intempéries naturais e o conhecimento individual cesse com o perecimento da pessoa. Mas o uso de técnicas de conservação e o registro do saber permitem o prolongamento da vida útil da riqueza.

A riqueza construída pela humanidade ao longo dos milênios existe de modo independente a quem dela disponha ou a quem sirva de uso, mas sempre será produto do trabalho braçal e intelectual dos indivíduos, transformando os elementos da Natureza em bens de maior utilidade.

Da mesma forma que as mercadorias singulares são quantificadas em dinheiro, o seu equivalente universal, pode a riqueza e suas frações assim serem medidas. Assim, uma unidade residencial em uso por uma família, proprietária ou não do imóvel, é valorada pela quantidade de trabalho despendido na sua construção, inclusive dos itens incorporados ao imóvel, como tijolos e canos d’água, menos o valor do desgaste pelo uso ou temporal, que pode ser medido proporcionalmente à expectativa de duração da casa ou pelo trabalho necessário à reposição das condições originais. Note-se que o trabalho inclui parcelas destinadas à reprodução da própria força laboral, ou seja, o que o trabalhador consome diretamente, e excedente, que se configura como lucro, juros ou renda da terra. Todas essas frações podem ser quantificadas em dinheiro, equivalente universal das mercadorias que é.

Um sistema jurídico de propriedade foi estabelecido, dando titularidade individual ou coletiva a cada item integrante da riqueza geral, inclusive sobre a terra e outros elementos naturais não criados pelo Homem. Os regramentos estabelecidos variam de sociedade para sociedade, mas em geral determinam a quem pertence não só as coisas existentes, mas também aquelas que se podem produzir; tratam também da transmissão dos direitos de posse e uso entre indivíduos vivos ou após a morte do proprietário.

Note-se que nem sempre as regras são obedecidas por todos, dentro de uma sociedade determinada ou por ser estranho a ela: muitas vezes porções da riqueza existente, ou mesmo do potencial de cria-las, são apropriadas com o uso da força ou do engodo, redistribuindo entre as pessoas, senão a propriedade formal, a posse e o direito de uso das coisas.


[1] Modalidade de troca mercantil sem a intermediação do dinheiro, em que as duas partes trocam diretamente as mercadorias que possuem entre si.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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