Dinheiro, sua história e a acumulação financeira: origens

Primeiro capítulo do livro O dinheiro, sua história e a acumulação financeira, de Iso Sendacz.

A obra acompanha o curso homônimo, ministrado em 2020 na Escola Nacional de Formação da CTB.

Humanidade

As evidências da ciência indicam que o gênero sapiens da espécie homo surgiu na África há algumas dezenas de milhares de anos, com o traço distintivo dos demais primatas, inclusive os demais humanos, sediado no domínio da linguagem simbólica. Mesmo não sendo fisicamente mais desenvolvido que seus semelhantes, a habilidade peculiar permitiu acelerado domínio das fontes naturais de energia e da técnica ferramental, bem como a ocupação territorial do planeta e a hegemonia entre os seres vivos. E, bastante relevante, o registro artístico dos seus feitos.

A cognição dos nossos ancestrais permitiu ir além do registro, de início pictórico e mais recentemente escrito, do que havia feito e poderia servir de modelo aos espécimes mais novos. A consciência possível com o cérebro do homo sapiens facilitou o conhecimento do mundo exterior e a predição de fenômenos potencialmente danosos ou proveitosos, permitindo evolução mais acelerada no domínio da Natureza. O raciocínio abstrato, que identifica padrões fenomenais, ajudou a enfrentar o desconhecido a partir das experiências vividas e registradas.

O instinto primitivo da espécie levava aos machos disputarem entre si as fêmeas de cada grupamento, mas não os permitia enfrentar os felinos maiores e mais ferozes em busca, por eles visto como alimento. Teria sido conhecer essa insuficiência a primeira manifestação de consciência, que levou a certa repressão do instinto em favor da organização coletiva em bandos, permitindo expressiva elevação da curta expectativa de vida humana na época.

A relativamente pequena população e a vastidão das terras emersas e seus recursos alimentares abundantes permitiram o movimento dos bandos humanos pelos continentes terráqueos, delimitando, com o tempo, territórios e a apropriação dos seus recursos.

Da coleta à produção de excedentes

Em sua Breve história da Humanidade, o israelense Yuval Harari nomina a primeira formação social humana como aquela composta de caçadores-coletores, algo semelhante, em conteúdo, ao que Karl Marx chamava em seus escritos de comunismo primitivo. A espécie desceu das árvores em busca da proteína animal que lhe permitiu desenvolver não só a bipedia, como também as faculdades mentais para o fabrico das armas de caça e o domínio do fogo. Este, à parte do aquecimento e proteção ante a aproximação das feras, permitiu-lhe cozinhar e, com isso, economizar largo período do dia ante o tempo antes reservado à digestão dos alimentos crus.

A evolução dos sapiens proporcionou o aproveitamento mais completo dos itens coletados e caçados. Além de comida cozida e instrumento de caça, novas ferramentas domésticas, tintas, adornos e vestimentas, por exemplo, eram inventados com o passar dos séculos.

Sucedendo-se as gerações da espécie, fazer as coisas mais rápida e eficientemente permitiu o surgimento de excedentes. Imaginemos um mamute morto por um bando de sapiens. Digamos que o consumo de carne suprisse um mês de suas necessidades. E, com a pele, fosse possível proteger das intempéries um terço da população. Isso implica a necessidade de caça de doze mamutes a cada volta da Terra em torno do Sol. Além do suprimento alimentar, a produção seria bastante para obter dois mantos de pele e dois cobertores para cada indivíduo do bando.

Como se vê no exemplo, o pleno aproveitamento da pele da presa gera mais unidades de cobertas que os membros do grupo conseguem usar. São excedentes de produção, não obstante os primitivos métodos usados então. O mesmo sucede com os ossos: ao serem transformados em adornos e outros utensílios, também excedem a capacidade de uso pelos seus produtores.

Adicione-se que o desenvolvimento da técnica e a fabricação de ferramentas têm o condão de acelerar a produção, aumentando a quantidade excedente de objetos disponíveis ou o tempo socialmente ocioso dos antigos humanos. O ulterior estabelecimento das atividades agrícolas ampliou mais ainda o estoque de bens de consumo excedentes.

As trocas mercantis

Todo produto do trabalho humano excedente, aquele que não se destina ao consumo do próprio produtor e seu núcleo familiar, de imediato ou em prazo mais longo, pode adquirir o caráter de mercadoria. São bens, materiais ou não, disponíveis à troca por outras mercadorias, sob a posse de outras pessoas.

O domínio dos rudimentares meios de produção e a sedimentação territorial da espécie, em especial para aproveitar os recursos do solo, levaram progressivamente ao aumento da produção de excedentes, de forma planejada, inclusive. O crescimento da população humana, se de um lado fazia crescer a necessidade por alimento e outros itens, por outro aumentava o número de produtores. Ademais, a especialização do trabalho – coleta, caça, fabrico de ferramentas e utensílios, agricultura – também trouxe ganhos à produtividade da espécie humana. A interação entre os diversos grupamentos, traduzida em linguagem simbólica, permitiu as primeiras trocas de mercadorias, daquelas que se dispunha em excesso por outras que faziam falta. Muito provavelmente os termos originais de negócios baseavam-se na disponibilidade de uns e a carência de outros. O valor justo do escambo, no entanto, deve muitas vezes ter sido substituído pelo argumento da força.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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