O intelectual orgânico do Estado e o Brasil desenvolvimentista

Rômulo de Almeida, por Alexandre de Freitas Barbosa

O economista baiano é descrito como um brasileiro de ideia fixa, o desenvolvimento, e flexível na tática, de acordo com a realidade histórica vivida pelo país e os brasileiros.

No capítulo 29 do Pensamento Nacional-desenvolvimentista sua trajetória entre nós é contada pelo também economista e historiador Alexandre Barbosa.

A Rômulo de Almeida a prática de Estado interessava tanto quanto o conhecimento da realidade, quando se tratava de mudar a realidade nacional. Assim, mais que nos livros e na academia, seu legado consubstanciou-se na ação de pesquisa em campo e construção de organismos oficiais federais, na Bahia e no exterior, como o BNB, o CPAES, a Petrobrás e o Comitê dos Nove Experts da OEA. Dessa conjunção de características nasceu o termo “intelectual orgânico”.

Alexandre assim o apresenta:

A singularidade de Rômulo encontra-se na multidimensionalidade da sua atitude reflexiva. Seu pensamento praxista alia o retrospectivo ao prospectivo, avançando da dimensão econômica (macroeconomia, microeconomia, planejamento, economia regional e economia internacional) rumo às dimensões social e cultural, e vice-versa, pois as incorpora desde sempre ao propor reformas nas estruturas políticas e sociais de modo a assegurar o desenvolvimento econômico.

Ainda nos anos 1940 foi morar no Acre, para estudar a realidade amazônica e propor caminhos para o desenvolvimento da vida na floresta. “A floresta amazônica é dadivosa, mas nem tudo que ela oferece o homem sabe ou pode aproveitar”, afirmava Almeida, ao lamentar a falta de beneficiamento da borracha e da castanha e, especialmente, da organização econômica. Saltava aos seus olhos a cadeia de exploração do seringueiro, que com muita pequena parte ficava do trabalho extrativo.

Da vivência, Rômulo concluía que “preparar o futuro significa não só resolver o problema da nossa produção regular de borracha, mas estabelecer como uma conquista mansa o completo aproveitamento das riquezas da floresta e dos rios (na Amazônia, apesar da nossa época industrial, só a racionalização da indústria extrativa é suficiente para manter uma economia vigorosa)”.

Nos anos seguintes, dedicou-se ao estudo da economia de sua Bahia natal. Do período colonial, e mesmo dos tempos do Império, o imediatismo das elites baianas teria soterrado as possibilidades de expansão da produtividade. Ao invés de o Estado fazer inversões públicas e fornecer assistência técnica aos cacaueiros no final do século 19, teria agido como “fator de descapitalização, malbaratando as receitas provisórias geradas com o surto cacaueiro”.

A crise das exportações fez definhar a economia estadual a um estágio de subsistência e recuar a indústria antes bem posicionada.

Preparando-se para uma posição de destaque no segundo governo Vargas, Almeida conclui que, se a “indústria não é a salvação da lavoura”, muito podia contribuir para a mecanização do campo, desde que dotadas de investimento de largo prazo que só o Estado nacional se habilitava a fazer. Foi o “caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Companhia de Álcalis e da Fábrica de Motores”.

Como asseverou o intelectual orgânico, “muito mais poderíamos estar produzindo na agricultura e na indústria, com o melhor aproveitamento dos nossos recursos de mão de obra, equipamento e recursos naturais, se a organização financeira estivesse apta a drenar em oportunas inversões as sobras de poder aquisitivo que estão criando a situação aflitiva e desastrosa da corrida de preços de consumo”.

Seu trabalho internacional foi marcado pelo pragmatismo. A “diplomacia econômica” de Rômulo de Almeida tinha por objetivo integrar o esforço nacional pelo desenvolvimento. No seu entender, “o Brasil deveria se aliar aos ‘povos de semelhante estrutura’”, já que o movimento de capitais dos países já industrializados em direção à periferia intendia elevar a ocupação e a renda nas suas matrizes. Precisaria o Brasil dar os passos que há um século já tinham sido dados por potências como os EUA.

Assim, Rômulo formulava a prioridade da capitalização nacional como ferramenta para o desenvolvimento:

A elevação dos níveis de vida, num país como o Brasil, depende, assim, muito menos da justa distribuição de riqueza e do produto nacional que do desenvolvimento econômico. A verdade é que temos pouco para dividir. Devemos, portanto, por um lado, atender ao problema da justiça, corrigindo os abusos e a ostentação de uma minoria, e ainda elevar a produtividade através de melhores níveis de consumo, mas, por outro lado, não devemos permitir que uma distribuição insensata venha prejudicar o potencial de capitalização.

O espírito público de planificação integrada do processo de desenvolvimento com benefícios concretos ao trabalho e às regiões do Brasil o acompanhou pela vida, depois que deixou o governo nos anos 1960. Seu escritório de projetos nacionais apoiou inciativas na produção, na ciência e na educação para o desenvolvimento técnico e social.

No entanto, Rômulo observava de fora do Estado a tecnocracia mais uma vez consumir os haveres públicos para o enriquecimento rápido de uma casta a quem servia, em mera troca por um salário ou favor que em nada condizia com o interesse nacional.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

2 comentários em “O intelectual orgânico do Estado e o Brasil desenvolvimentista

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: