
No Consultor Jurídico o doutor Gilberto Bercovici avalia, de forma magistral, tanto no sentido jurídico como acadêmico do adjetivo, o que seja e a que serve o princípio da subsidiariedade do Estado, tese hoje avocada pelos tecnocratas do dia na sua proposta de Reforma Administrativa recém encaminhada ao Congresso Nacional.
Segundo seus ensinamentos, o papel secundário do Estado na atividade econômico-social remonta há velhos conceitos de autoritarismo do mercado sobre o bem estar social e a garantia do trabalho em igualdade de condições com a livre-iniciativa.
Lembra Gilberto que uma das imposições do fascismo italiano em 1927 já determinava que “a intervenção do Estado na produção econômica tem lugar unicamente quando falte ou seja insuficiente a iniciativa privada ou quando estejam em jogo interesses políticos do Estado. Tal intervenção pode assumir a forme de controle, de encorajamento e de gestão direta”, conforme item IX da Carta de Lavoro de Mussolini.
Diversos dispositivos constitucionais brasileiros reduziam, na História, o papel do Estado à regulação, fiscalização, resolução de conflitos de interesses entre o público e o individual e ao suprimento da falta de capacidade privada para suprir os interesses nacionais. Ao mesmo tempo que o Estado brasileiro supriu lacunas produtivas e energéticas extraindo e refinando petróleo, gerando e distribuindo eletricidade e produzindo no país, de forma pioneira, de aviões a submarinos, governantes sem pejo se escudaram na Carta Magna para regular um “capitalismo sem risco”, que socializa os prejuízos e concentra os lucros, na lição do também jurista Washington Peluso Albino de Souza.
Tudo isso até 1988. Mesmo reformada e até deformada, a “Constituição” que se convencionou chamar de cidadã “não incorporou, explícita ou implicitamente, o chamado princípio da subsidiariedade”, explica Bercovici. E vai além: “por mais que alguns autores desejem, a ordem econômica constitucional brasileira não é liberal, tendo incorporado elementos liberais, sociais, intervencionistas, nacionalistas, desenvolvimentistas e cooperativistas, entre outros”.
No essencial, estamos de acordo com a análise a conclusão a que chega o professor sobre o risco de captura ideológica do regramento constitucional:
Não há na Constituição nenhum dispositivo que estabeleça que o Estado só pode atuar na esfera econômica em caso de desinteresse ou ineficiência da iniciativa privada, o chamado princípio da subsidiariedade. Pelo contrário, o texto constitucional deixa claro que a economia não é o terreno natural e exclusivo da iniciativa privada. O Estado também atua na economia, direcionado e limitado pelos dispositivos constitucionais. A necessidade de essa intervenção estatal ocorrer sob a justificativa da segurança nacional ou da perseguição a relevante interesse coletivo, conforme estabelece o artigo 173 da Constituição, não implica na subsidiariedade da atuação estatal. A limitação constitucional à atuação econômica do Estado não se refere à possibilidade de intervenção estatal, mas às modalidades de intervenção.
A matéria inspiradora é de 2015, mas a atualidade do tema segue presente, mais ainda depois da prática deletéria aos direitos sociais dos últimos anos, e que não se encerrou, antes o contrário.