Os petroleiros do litoral paulista trouxeram o pesquisador Antonio Fernandes Neto para contar sobre a vida dos trabalhadores da Baixada Santista há 60 anos.
Neto, como é conhecido, relembrou que o ambiente econômico no Brasil pré-64 era adverso, com desemprego e inflação elevados e escassez de alimentos.
Se de um lado os trabalhadores conquistavam um 13º salário, a partir de histórica greve nacional, do outro a Companhia Docas, maior empregador de Santos, seguia imune à cobrança de impostos municipais sobre o seu importante movimento de comércio exterior. As horas extras e adicionais por dia de chuva pagas aos santistas que lá trabalhavam à exaustão eram motivo de constantes reclamações por parte da família Guinle e, por via indireta, dos exportadores que clamavam pela redução dos fretes.
Nos 30 meses que culminaram em março de 1964 dez greves gerais paralisaram a cidade em defesa dos direitos dos trabalhadores, hoje consignados na própria Constituição da República.

Antonio Fernandes rememorou duas delas: ante a ameaça de transferência de 32 trabalhadores do Moinho Paulista para outros estados, o que feria a estabilidade assegurada por dez anos de trabalho nas empresas, pararam todos os trabalhadores; e fizeram o mesmo em apoio às reivindicações das enfermeiras da Santa Casa, cujo trabalho era ajudar a recuperação da saúde de todos os santistas que contraíssem doenças.
A unidade de quem trabalhava no Porto, na Cosipa, na Refinaria e em mais de 60 categorias profissionais era selada no Fórum Sindical de Debates, ponto de encontro dos operários do litoral paulista. Mesmo Erasmo Dias reconhecia o poder de organização dos sindicatos: achava o futuro esbirro da repressão que “era impossível governar com tanta greve”!
Os donos do grande capital local apostavam na solução de força militar para derrotar os trabalhadores. Guinle e seus colegas de classe financiavam a preparação de um golpe contra a ordem instituída, desferido a 31.3.1964. Ao putch associaram-se forças estrangeiras: só em Santos chegaram 12 navios dos EUA, muitos deles petroleiros, outros militares.
Logo no dia seguinte, militares da Aeronáutica e da Polícia Portuária ocuparam o Sindicato dos trabalhadores do Porto, prendendo quem estivesse por lá, mesmo que apenas procurando um benefício a que tinha direito por lei. Assim se sucedeu em toda a cadeia organizativa laboral, muitas vezes de forma truculenta, mas sem munição, pois havia o risco de as tropas passarem para o lado da legalidade.

Diferentemente da Venezuela de Chaves, os trabalhadores santistas não se prepararam para resistir, segundo Neto. Havia uma crença de que as tropas nacionalistas e os empresários progressistas pusessem fim à aventura, o que não ocorreu.
Não só muitos direitos foram decepados nos meses seguintes – o décimo-terceiro que, segundo O Globo, “iria quebrar o país”, até hoje anima o comércio na época do Natal – e chegou a Santos o enferrujado navio Raul Soares, que mais do que prisão, veio para quebrar física e moralmente os líderes santistas da classe operária.
Não demorou para os novos “poderosos” inaugurarem o uso das fake news contra que lhe fosse obstáculo à retirada de direitos trabalhistas alcançados em décadas de luta: bastava um dossiê falsificado pelo chefe do departamento de pessoal das Docas para o indivíduo ser taxado de “comunista”.
Um comentário em “Litoral Paulista nos anos 1960”