Como será o amanhã?

Ao conhecer o historiador israelense Yuval Harari, por meio da leitura de seus livros Sapiens e Homo Deus e da entrevista que recentemente concedeu ao Roda Viva, vi nele uma pessoa sagaz e competente no que faz.

Nas centenas de páginas da breve história da humanidade, mostra de forma bastante bem corroborada pelos fatos conhecidos como a espécie sapiens do gênero humano não só sobrepujou seus congêneres neandertais, erectus e outros homo extintos, como também ascendeu ao topo da cadeia alimentar e ao controle mais avançado entre todos os viventes do planeta sobre o ambiente que nos cerca.

Sendo uma história de 70 mil anos, o momento presente, os últimos, digamos, duzentos anos, talvez mereçam um olhar mais detalhado e uma evolução dos acontecimentos mais longa para que se possa fazer afirmações históricas sobre ele.

No segundo livro, o autor avança um pouco mais no nada modesto objetivo de contar uma breve história do amanhã, tecendo possibilidades de como se dará o desenvolvimento humano nos anos vindouros e, inclusive, mostrando os riscos do fim da espécie, por obra de inteligência sem consciência que ela mesmo está criando.

De onde viemos

Harari atribui a supremacia humana* à capacidade de cooperação entre os semelhantes da espécie que, além de caçar em bandos como muitos outros animais, plantava, manufaturava e dividia entre os indivíduos o trabalho de construção habitacional e educação das crianças, entre muitos.

O que se vê na evolução a períodos cada vez mais curtos é que a divisão do trabalho entre os indivíduos não era sequer aproximadamente, nem em esforço físico nem na repartição do resultado. O aumento da produtividade, primeiro com as ferramentas primitivas, depois com as técnicas agropecuárias e por fim com o poder do vapor, da eletricidade e da fissão atômica, não alcançou o conjunto da espécie de uma mesma maneira. Uma luta constante entre o instinto de sobrevivência do mais forte contra a cooperação em bases mais bem distribuídas.

Atribui Harari aos mitos e às religiões e suas bases imutáveis a aceitação, pelas multidões, da apropriação desigual da produção cooperativa.

A citada Revolução Científica dos últimos séculos propiciou um salto no domínio das forças naturais, inclusive contra as doenças e outras causas de morte prematura, mas ainda não resolveu o problema de bilhões de pessoas. É o ponto em que o autor arrisca palpites que traduzem o seu modo de ver o mundo e as coisas dos homens.

Para onde vamos

As ciências exatas e biomédicas e as tecnologias daí derivadas elevaram a longevidade média dos espécimes humanos e preconizam uma situação de abundância de soluções para o que ele define como nova agenda humana: depois de vencer as pragas mais perniciosas e tornar as guerras obsoletas, o novo desafio consiste em buscar a imortalidade e a felicidade sem limites. Já as ciências sociais, como a história e a economia, seguiriam a trilha religiosa: crenças e julgamentos não objetivos, baseado em valores e experiências vividas.

E qual o risco, daqui a algumas poucas gerações, de aniquilação da humanidade? Na conclusão de Homo Deus, teme o autor pelo desacoplamento da inteligência da consciência e o poder de algoritmos matemáticos processados por computadores de imensurável capacidade para predizer e conduzir os destinos de seu criador.

Harari julga que o liberalismo e o comunismo são cartas fora do baralho, a felicidade dependeria de uma máquina prover o instinto do indivíduo de uma satisfação efêmera de suas necessidades.

Antagonizamos com tal postulação. É a consciência do que é externo ao indivíduo que permite conhecer e domar as forças naturais, cuja influência sobre cada um e sobre todos é objetiva. E é ela que distingue os humanos das demais coisas que já conhecemos.

Aprendi com um professor que se não há solução, não há problema. Se há contradição entre o que se produz e como isso se distribui, é porque ou há solução ou não existe problema.

Cita Harari que ao comunismo movido a vapor e a eletricidade coube contribuição excepcional à destruição da máquina de guerra nazifascista. Sua crítica ao modelo experimentado pelos sapiens é que o processamento das informações no socialismo é centralizado, enquanto no liberalismo capitalista é distribuído. Pode ter razão, mas me parece que o relevante é como as decisões são tomadas, como a apropriação dos resultados é feita, se de forma democrática ou inspirada em uns poucos expertos em uma sala.

O que faz a diferença

Aí é que a consciência pesa na balança: vale mais a pena compartilhar entre os colaboradores o conhecimento e riqueza comum da espécie ou embolsar ficção não digerível a que chamamos de dinheiro?

Quem se mostra capaz de dominar a técnica da vida tem todas as condições de subjugar a economia e estabelecer relações equilibradas e saudáveis entre os humanos. Com a colaboração de todos.

*o historiador é cuidadoso, não só no título do primeiro livro como em todo o transcorrer da obra, em separar os sapiens das demais espécies humanas, mas aqui simplificamos para facilitar a leitura: por humanos entenda-se os homo sapiens.

Post scriptum: o terceiro livro de Yuval Harari propõe 21 tarefas para o século 21. No próximo ano, vamos ver quais são elas e se podemos trabalhar com suas ideias na construção de um Brasil independente e generoso com o seu povo.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, diretor do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.