
Sexto capítulo do livro O dinheiro, sua história e a acumulação financeira, de Iso Sendacz.
A obra acompanha o curso homônimo, ministrado em 2020 na Escola Nacional de Formação da CTB.
O Banco Central do Brasil
O Banco Central do Brasil foi criado em 31.12.1964 ao albergue da Lei nº 4.595[1], sob a denominação original de Banco Central da República do Brasil. O dispositivo legal estruturou o sistema financeiro nacional, regulado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e integrado pelo próprio BCB e as instituições financeiras públicas e privadas.
Em 31.3.1965 a antiga Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) foi transformada na autarquia federal responsável pela emissão e circulação da moeda, funcionamento do sistema financeiro e autorização para operação das instituições financeiras, controle do crédito, dos capitais estrangeiros e das reservas internacionais e executar a política monetária orientada pela CVM, inclusive para fins de liquidez do sistema financeira e estabilidade dos preços da economia.
Com o advento da Lei Complementar nº 179[2], de 25.2.2022, foi concedida ao BCB autonomia para buscar cumprir as metas de política monetária estabelecidas pelo CMN; concedidos mandatos fixos aos diretores da autarquia, não coincidentes com o do Presidente da República; e definidos quatro objetivos: fundamentalmente assegurar a estabilidade de preços e, sem prejuízo dela, zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.
Base monetária
A política monetária e a disponibilidade do meio circulante no país, assim como a administração das reservas internacionais, são exercidas pelo Banco Central do Brasil (BCB).
A entidade autárquica classifica a base monetária em sentido restrito e amplo, agregando disponibilidades em quatro categorias.
O agregado M1, que corresponde à base monetária em sentido estrito, corresponde às cédulas e moedas em circulação, somadas aos depósitos à vista no sistema financeiro nacional. São instituições emissoras desse tipo de dinheiro o próprio BCB, os bancos comerciais e múltiplos, a Caixa Econômica Federal e as cooperativas de crédito.
Os agregados mais amplos são sempre formados pelos imediatamente mais estritos e meios de pagamento adicionais. Assim, o M2 acrescenta ao M1 os depósitos especiais remunerados, de poupança e títulos emitidos por instituições depositárias; no M3 entram também as quotas de fundos de renda fixa e as operações compromissadas registradas na Selic[3]; e, por fim, o M4 registra, em acréscimo, os títulos públicos de alta liquidez.

Da mesma forma que os meios de pagamentos, a ampliação da medida da base monetária é acompanhada por novas instituições financeiras emissoras. Assim, no M2 temos, além daquelas incluídas no M1, bancos de investimento e de desenvolvimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, companhias hipotecárias, sociedades de crédito imobiliário e associações de poupança e empréstimos; no M3 entram também os fundos de investimento com características de fundos do mercado monetário; e, no M4, acresce-se o governo central, emissor nato dos títulos públicos.
As instituições financeiras captadoras de depósitos são autorizadas, dentro de certos limites, a intermediar parte desses recursos de liquidez imediata – o depositante pode resgatar seu dinheiro a qualquer momento – com terceiros interessados em empréstimos. Nessa situação, os bancos multiplicam a moeda disponível na economia, pois de um depósito à vista surgem dois, e destes pode surgir um terceiro. É o efeito multiplicador da moeda.
Por exemplo, se um depositante coloca mil reais no banco, este pode emprestar quinhentos, ampliando a base para mil e quinhentos reais. Assim, as instituições financeiras também têm poder de criar moeda, como o faz a Autoridade Monetária pública.
Em setembro de 2022[4], segundo o BCB, os agregados monetários do país contavam com cerca de R$ 7,5 trilhões (M4), sendo R$ 393 bilhões no sentido estrito (M1). Em dez anos, a base monetária dobrou de tamanho, ante uma inflação, medida pelo IPCA, de 80% no período.
Valor da moeda
Como visto no capítulo 3, além de funcionar como denominador comum de valor das mercadorias e meio de troca, da moeda espera-se também a função de reserva de valor, ou seja, que o seu poder de troca por outras mercadorias (ou compra, na linguagem popular) seja preservado ao longo do tempo. Idealmente, uma determinada mercadoria deveria poder ser trocada por uma mesma quantidade de moeda, decorridos alguns anos.
À desvalorização da moeda ante os preços das demais mercadorias ou, visto pelo ângulo oposto, o aumento dos preços das mercadorias, denominados em quantidade da moeda equivalente, é chamado de inflação.
Em uma situação ideal, os preços permaneceriam estáveis se a quantidade total de moeda em circulação equivaler ao total das demais mercadorias igualmente em circulação, o que não ocorre na prática.
Note-se que, no tempo, o mesmo dinheiro pode ser trocado por novas mercadorias dele distintas, e vice-e-versa. Assim, o equilíbrio monetário ocorreria com uma quantidade menor de dinheiro, por exemplo, que o seu equivalente nas demais espécies, não invalidando o modelo monetário para cada instante da dinâmica econômica. Além disso, os produtores e os proprietários de mercadorias, inclusive a força própria de trabalho e o dinheiro, são livres para fixar o preço unitário que lhes pareça conveniente e possível de realizar. Porém, a escassez de uma determinada mercadoria ante o dinheiro disponível tende a fazer com que ela fique mais cara, e o inverso também é verdadeiro.

A inflação é medida considerando a variação de preços de uma determinada combinação de mercadorias e serviços que seja significativa na circulação monetária de uma economia. No Brasil, por exemplo, a Fundação Getúlio Vargas calcula seu Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) ponderando os preços por atacado da cadeia produtiva, os preços ao consumidor e os custos da construção civil; o IBGE, por sua vez, é responsável pela apuração do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que traduz a inflação oficial no país. O IPCA considera padrões e hábitos de consumo das famílias brasileiras com renda de um a quarenta salários-mínimos e tem por base a variação dos preços de uma cesta de produtos e serviços que inclui determinadas quantidades de itens de alimentação, habitação, vestuário, transporte, saúde, despesas pessoais, educação e comunicação.
Muitos fatores contribuem para que os agentes econômicos subam os preços. As mercadorias passam a ter etiquetas mais caras porque “os preços estão sempre subindo” (inflação inercial); os custos para obtenção das mercadorias ficam mais altos; os preços são referenciados em índices de inflação e outros, cuja aplicação já resulta em maior quantidade de dinheiro para a aquisição do bem ou serviço e conta na próxima medição da inflação; há uma expectativa de inflação anunciada e os preços são reajustados preventivamente, com o mesmo efeito da causa anterior; e, sem prejuízo de outras possibilidades, existem mais interessados em uma determinada mercadoria do que unidades disponíveis para troca (inflação de demanda), gerando uma oportunidade de cobrar mais caro na transição do bem ou prestação de serviço.
Note-se que, especialmente no último caso, a propriedade monopolista dos meios de produção e das próprias mercadorias pode ensejar situações forçadas de restrição da oferta. Destaque-se ainda que o próprio preço do dinheiro está contido nos custos de produção e circulação das demais mercadorias, nos casos em que o indivíduo não dispõe do todo ou parte dos recursos monetários necessários aos insumos de sua empreita.
Nos Estados modernos, cabe à Autoridade Monetária, exercida no Brasil pelo Banco Central, regular a disponibilidade de dinheiro no sentido de inibir o fenômeno inflacionário, ou seja, manter os preços estáveis e, com isso, preservar o poder de troca da moeda nacional.
Os principais instrumentos usados no combate à variação positiva de preços são a taxa básica de juros (no Brasil, taxa Selic) e a taxa de câmbio.
O Banco Central espera que, ao anunciar a meta da taxa básica, por diversos canais de transmissão as pressões pelo aumento dos preços diminuam e com isso não haja inflação superior à meta que lhe é externamente atribuída, nos casos das entidades autônomas, ou por si mesma definida, se o BC for independente.

Um aumento da taxa básica tende a encarecer o crédito e, com isso, diminuir a propensão das famílias ao consumo e das empresas à tomada de recursos de terceiros para investimento; adicionalmente, o movimento altista provocaria uma valorização da moeda local, barateando as importações e encarecendo as exportações, com duplo efeito interno: produtos que vem de fora custariam menos dinheiro ao produtor nacional e ao consumidor final e a oferta da produção seria vasta, já que parte dela não sairia do país, empurrando os preços para baixo. A promessa de um futuro de preços estáveis, atrelada à confiabilidade do público na política monetária do Banco Central, e a desvalorização contábil da riqueza presente também contribuiriam para inibir a subida dos preços.
As taxas de juros praticadas no país trazem, além do cominado até aqui, um efeito adverso às contas públicas. Já tratamos no terceiro bloco do capítulo anterior sobre o funcionamento da dívida pública no Brasil. Os juros praticados pela autoridade monetária para fins de contenção dos preços oneram os cofres públicos diretamente, já que em última instância o dispêndio financeiro sobre os títulos públicos da dívida é efetuado com a arrecadação de receitas pelos entes devedores; e indiretamente, pois é comum o processo de rolagem da dívida, de modo a não obstar demasiadamente a execução das políticas de governo, ampliando anualmente a base sobre a qual as taxas básica e outras daí derivadas são aplicadas.
O movimento inverso à subida geral dos preços é conhecido como deflação. Nesta situação, uma determinada quantidade de dinheiro pode ser trocada, no futuro, por uma quantidade maior de mercadorias que no presente.
O Banco Central do Brasil argumenta pela inconveniência econômica da ocorrência, considerando que a expectativa de preços mais baixos induziria ao adiamento de decisões de consumo e investimento produtivo, deprimindo a economia. Além disso, se os preços caírem, os estoques formados a preços mais altos causariam prejuízo ao seu proprietário.
Se a redução de preços advir de ganhos sociais de produtividade, em regime de pleno emprego, no entanto, promover-se-á uma distribuição da riqueza excedente produzida, de modo a reduzir a desigualdade entre os produtores e suas famílias.

[1] Versão compilada da Lei nº 4595/64 disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4595.htm; consulta em 16.11.2022
[2] Versão compilada da Lei Complementar nº 179/22 disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp /lcp179.htm; consulta em 16.11.2022
[3] Sistema Especial de Liquidação e Custódia
[4] Banco Central do Brasil; Base monetária ampliada – saldos em final de período; disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/indicadoresselecionados; consulta em 11.11.2022
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