
Márcio Pochmann, em Outras Palavras
Ditadura e neoliberalismo implodiram tradição que se formava: a dos intelectuais orgânicos do Estado, comprometidos com o desenvolvimento nacional. Carreira pública foi trocada por lógica de privatizações, terceirizados e desprezo às maiorias
O Estado brasileiro se encontra contaminado por uma elite instruída de natureza antidesenvolvimentista, capaz de se mover e se legitimar por valores mercantis adotados na relação com o público, na tomada de decisões e no exercício de poder atribuído a especialistas. Mas nem sempre foi assim.
Com a Revolução de 1930, a construção do Estado moderno passou pela revogação, em 1942, do decreto de D. Pedro I que garantia a titulação de doutor aos formados em faculdades. A estruturação de um novo corpo social civil e militar da administração pública se voltou à tarefa de pôr em marcha a nova sociedade urbana e industrial através da centralização administrativa e constituição de carreiras de acesso por concurso a mais de 150 mil funcionários de Estado.
Para isso, destacou-se como peça especial do desenvolvimentismo brasileiro a constituição especial no seio da administração pública federal dos intelectuais orgânicos do Estado.
Na ditadura civil e militar (1964-1985), contudo, o propósito dos intelectuais orgânicos do Estado foi interrompido, pois substituído pela moldagem tecnocrática.
Com a primazia do receituário neoliberal adotado desde os anos 1990, o regime jurídico único para a Administração Pública instituído pela Constituição de 1988 foi por água abaixo. A substituição dos concursos pela terceirização nas atividades consideradas meio à função pública (segurança, transporte, asseio e conservação, secretaria e outros) seguiu a lógica da privatização do setor público estatal. A reforma gerencial do Estado permitiu a crescente presença de organizações não governamentais, bem como a internalização de critérios mercantis nas atividades de serviços públicos civis e militares.
Sob o manto do antidesenvolvimentismo, a mentalidade mercantil se estendeu e dominou postos essenciais de comando dos aparelhos do Estado brasileiro, tendo as “ilhas de excelência” operado cada vez mais autonomamente, como um fim em si mesmas. (+538 palavras, Outras Palavras)

“A elite instruída se encontra contaminada pelo privatismo, autonomismo e entreguismo, destoando dos interesses e das necessidades da maioria da nação.”
Márcio Pochmann é economista e presidiu o IPEA de 2007 a 2012, entre outras funções públicas.
Mudar este pensamento somente com uma base educacional desde a infância.
A educação mais que nunca é o grande desafio brasileiro.
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