Ladislau Dowbor

O livro de Mazzucato apresentado por Dowbor revela como o parasitismo financeiro sobre a economia mundial tem formado as grandes e concentradas fortunas na atual quadra do desenvolvimento capitalista.
A obra é relevante, pois mostra como é feita a acumulação da riqueza sem produzir, extraindo da Natureza coisa que não foi produto do trabalho humano e cobrando pedágio dos semelhantes encarregados do mundo da produção.
Há algo prévio a acrescentar à extração: a demarcação territorial do planeta, feita à força antes de registrada nos cartórios. Também o solo não é fruto do trabalho de ninguém, já estava aí quando a Humanidade se constituiu enquanto tal.
Conhecemos bem Mariana Mazzucato pelo seu excelente estudo sobre o papel do Estado na economia moderna (O Estado empreendedor, Companhia das Letras), mas o presente livro, The Value of Everything: Making and Taking in the Global Economy (PublicAffairs, 2018), cujo subtítulo podemos traduzir como “produzir e extrair na economia global”, é mais amplo, e sistematiza de forma clara e muito organizada as transformações do capitalismo nas últimas décadas.
Em termos econômicos, produzir e extrair constituem dinâmicas diferentes. Os magnatas das arábias se entopem de dinheiro vendendo o petróleo que nunca tiveram de produzir, inclusive repassando para corporações transnacionais a tarefa da extração, comercialização e transporte. Estão vendendo o futuro dos seus países, dilapidando recursos naturais de que as próximas gerações irão precisar. O petróleo alimenta não só os sheiks, como um mundo de acionistas pelo mundo afora, que dizem “investir” o seu dinheiro, e que passam a aumentar o seu capital à medida que o capital natural do planeta vai se esgotando. No Nordeste usam a imagem de “festa com o chapéu dos outros”, e a expressão traduz rigorosamente o que em economia chamamos de rentismo, que extrai valor sem aumentar ou contribuir para a produção. Quem produz, no sentido de produzir efetivamente coisas úteis para a sociedade, tem lucro, que vai permitir que a pessoa aumente a sua ‘renda’. Quem extrai dinheiro apenas drenando o que outros produzem é um rentista, e o dinheiro extraído é “renta”.
O livro de Mariana Mazzucato, The Value of Everything, analisa precisamente a diferença entre “Making and Taking” na economia global. Por que é tão importante? Porque o capitalismo atual gerou um mundo de parasitas que extraem renta por meio de um emaranhado de mecanismos de intermediação financeira, de pedágios sobre qualquer transação, permitindo fortunas absurdamente elevadas nas mãos de gente esperta, mas que trava a economia. “Renta – considerada como renda não ganha – foi classificada como uma transferência do setor produtivo para o setor improdutivo, e era em consequência excluída do PIB. ”[1]
Entender como se alimentam as maiores fortunas do planeta, e se agrava a desigualdade mundial, em proveito de gente que não só não produz como essencialmente descapitaliza a economia, é essencial para resgatar os rumos de uma economia que funcione. São os mecanismos que permitem entender como, em plena pandemia, com a economia em plena crise (com exceção da China), 42 bilionários no Brasil aumentaram suas fortunas em 34 bilhões de dólares, equivalentes a 180 bilhões de reais, seis anos de Bolsa Família, em praticamente quatro meses (entre março e julho de 2020), sem precisarem produzir, simplesmente cobrando juros, dividendos e outros ganhos financeiros. Inclusive ver a Bolsa subir enquanto a economia cai, é significativo.
Outro exemplo: a publicação Valor Econômico: Grandes Grupos apresentou em dezembro de 2020 a evolução dos 200 maiores grupos econômicos do país. Baseado em dados de 2019, portanto antes do impacto da pandemia, o estudo constata que “dos quatro setores analisados, apenas o setor de Finanças registrou aumento no lucro líquido (27,1%). Comércio (-6,8%), Indústria (-7,8%) e Serviços (-34,8%) caminharam para trás”. Trata-se não do conjunto da economia, mas dos grandes grupos, onde as finanças predominam, mas é impressionante. O estudo ressalta “o bom desempenho da área financeira, sobretudo bancos, cuja fatia no lucro líquido consolidado dos 200 maiores aumentou de 37,7% para 48,9%” (p.12).[2] Traduzindo, o que rende é ser banco, e de preferência grande; não é produzir, é cobrar pedágio de quem produz. E quanto mais os intermediários financeiros extraem, menos sobra para o investimento produtivo.
A força do livro de Mariana Mazzucato é explicitar os mecanismos. (+1261 palavras, A Terra é Redonda)