A seção regional gaúcha do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central – Sinal – reuniu especialistas para debater sobre a injeção de liquidez aos bancos, liberada no primeiro dia da calamidade pública.
Sob mediação de Luiz Fernando Trasel, Especialista do Banco Central e dirigente sindical, reuniram-se mestres e doutores em Direito e Economia para explicar por que o valor liberado não surtiu o efeito esperado pelas autoridades.
Parodiando o médico e estadista francês Georges Clemenceau, Trasel abriu os trabalhos declarando que “dinheiro é coisa grave demais para ser deixado somente nas mãos dos banqueiros e seus amigos”. Se, de um lado, o governo foi refratário à ajuda direta à economia real, não tardou senão horas em liberar R$ 1,2 trilhão ao sistema financeiro, fortuna que, nas palavras do Ministro Guedes, lá ficou empoçado.
A linguagem sofisticada faz por vezes a gestão monetária parecer complexa, mas o dirigente esclareceu que mantras como “o Brasil está quebrado e não pode gastar” não combinam com os recursos financeiros disponíveis no caixa público, não limitados pelo teto de gastos; e “brasileiro já paga muito imposto” refere-se aos mais pobres, a Oxfam até qualificou o país como paraíso fiscal dos super-ricos.
O Procurador do Banco Central Lademir Gomes da Rocha explicou que as estabilidades perseguidas pela autarquia – do poder de compra da moeda e do sistema financeiro nacional – não dependem só de fatores técnicos: sempre há alternativas e escolhas, determinando o caráter predominantemente político da ação estatal. 2008 mostrou que a regulação branda e confiança na capacidade resolutiva do mercado não foram suficientes para inibir o surgimento de uma crise global que perdura até hoje, agravada pela pandemia.
Lademir deu exemplos: a injeção de liquidez e o auxílio emergencial foram escolhas, mas os resultados para o país foram diversos, mesmo opostos entre si. Na opinião do Doutor pela UFRGS, é preciso estruturar a atividade financeira de modo que favoreça a estabilidade e a redução das desigualdades, lembrando que os mais pobres não são excluídos, mas integrantes do todo nacional vivendo “do outro lado da moeda”.

O professor de Economia da UFRGS Marcelo Milan, por sua vez, apresentou as formas e efeitos da liberação de dinheiro pelo governo.
Ele demonstrou que o aumento de crédito para pessoas físicas e jurídicas, se antes episódico, cresceu um pouco durante a crise sanitária, mas não de acordo com os impactos esperados pelas medidas econômicas adotadas.
Por sua vez, o assessor jurídico do Sinal, Claudio Hiram, agregou que, para além das razões técnicas, há interesses objetivos e desejos envolvidos nas escolhas públicas. Ele lembrou que se guarda dinheiro ou por precaução ou por especulação. Se 17% do PIB estava como depósito compulsório, a sua liberação aos bancos só fez acender o desejo da especulação.
O mestre esclareceu que o Supremo desde 2006 pacificou o julgamento das questões financeiras, reservando aos dispositivos do BC os temas macroeconômicos e ao Código de Defesa do Consumidor a seara microeconômica, para onde foi transferida a quantia liberada pela autoridade monetária.
Fernando Amorim, economista da Rede Bancários do Dieese, expôs Nota Técnica sobre o assunto em tela. Mesmo antes da pandemia, a atividade de tesouraria dos bancos já havia voltado a ocupar o centro dos seus interesses, em relação ao crédito.

Mesmo o ligeiro crescimento no momento presente ficou concentrado em São Paulo e nas grandes empresas, conforme os números do BC. Amorim lembrou também que o advento das novas tecnologias pode criar nova bolha de endividamento das famílias, pela facilidade de obtenção do dinheiro necessário à manutenção de suas contas do dia-a-dia.
Por fim, a Magistrada Valdete Souto Severo, que preside a Associação dos Juízes para a Democracia, observou que o privilégio social da Constituição Federal de 1988 sobre a economia pouco foi observado, já que a acumulação e falta de circulação da riqueza só tem feito aprofundar as desigualdades no Brasil, que colocam o país no triste terceiro lugar mundial quanto ao quesito.
Enquanto 42 brasileiros acumularam novos 34 bilhões de dólares dos EUA às suas posses durante a pandemia, hoje mais gente economicamente ativa está sem trabalho do que com.
As diretrizes do Banco Mundial de o Estado não atrapalhar a economia, seguidas a risca com a limitação dos gastos não financeiros e das reformas trabalhista, previdenciária e agora administrativa, regadas a recordes de medidas provisórias, não trouxeram vida boa e saudável para dezenas de milhões de brasileiros que não têm água tratada nem esgoto – destes, confirmou a Juíza, 5 milhões sequer têm banheiro em casa.
“Ou a gente adota uma posição política de acordo com o projeto constitucional, de inclusão social, políticas para exigir que as Instituições Financeiras contribuam para a distribuição de renda, ou os danos ao tecido social brasileiro podem se tornar irreparáveis”, concluiu ela.
Um comentário em “R$ 1,2 trilhão liberado. Para quem?”