Sede, só de lucro!

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A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil trouxe os representantes dos profissionais de saneamento para falar da privatização da água e a nova lei do saneamento. Sim, sabemos que o marco é do tratamento e distribuição do líquido precioso, mas os dirigentes da categoria foram enfáticos em mostrar como é o plano todo.

Tão logo encaminhado à sanção presidencial o PL nº 4162/19, falamos sobre água privada e telefones. A iniciativa do governo federal visa atualizar o marco regulatório do saneamento no Brasil, que datava originalmente dos anos 1960 – criação da Planasa e das empresas estatais encarregadas de tratar água e esgoto -, tendo sido modificado somente em 2007.

O projeto, apelidado por alguns de cloroquina, em paródia com a droga que não cura a doença mas pode matar o paciente, veio cercado de boas intenções: atrair investimentos privados para universalizar o acesso à água potável e esgoto tratado. Além de baixar os preços ao consumidor, em razão da concorrência pela prestação de serviço, cuja outorga é municipal.

Mundo afora a água doce é escassa. Somente 0,5% do H2O encontra-se líquido e sem sal. Destes, 12% estão no Brasil. Então por que 35 milhões de brasileiros não recebem água tratada? E 105 milhões não têm ligação de esgoto onde moram?

Águas subterrâneas

Os investimentos públicos dos primeiros tempos privilegiaram grandes centros urbanos, onde estavam estabelecidos não por coincidência usuários de renda e poder político mais elevado. Décadas se passaram sem que a rede se expandisse significativamente, o que voltou a ocorrer, em certo grau, neste século.

Então trazer interessados da área privada vai ajudar a resolver o problema? Já podiam ter vindo, mas os que receberam as benesses não cumpriram o que prometeram e muitos, inclusive, abandonaram o barco.

Manaus

Há vinte anos sob operação privada, Manaus, à beira do Rio Negro, têm 600.000 habitantes com água bruta nas torneiras e o esgoto só chega a 12% das moradias. Antes, o lucro da empresa estadual subsidiava o abastecimento no interior da selva, agora o atendimento na capital amazonense só propicia resultados para o concessionário.

Em São Paulo, a Sabesp cuida das águas em 373 municípios do Estado, com três quartas partes das receitas oriundas dos vinte maiores entre eles. Qual o interesse mostrado por fundos de investimento estrangeiro? Obter a concessão dos mais rentáveis, onde a estrutura de distribuição e tratamento está no essencial pronta, relegando aquela gente que pouco pode pagar por uma obra cara ao desinteresse privado. E o Brasil ainda fala em incentivo tarifário como atrativo adicional para esses capitais predatórios e antissociais.

Água é vida

Não é a toa que trezentas cidades no mundo, Paris e Buenos Aires entre elas, estão revertendo agora seus anteriores processos de privatização. Com o ônus adicional de ter de recuperar a estrutura funcional, dilapidada pela falta de cuidado e investimento do concessionário escolhido. Ao serviço de baixa qualidade prestada, esses prefeitos alegaram o aumento do preço ao consumidor como fator de não renovação do trato a base da vida na Terra.

E o projeto de “privatizar a água”? Corre no Congresso Nacional iniciativa do relator do novo marco do saneamento e maior engarrafador da Coca Cola no Brasil, Senado Tasso Jereissati, desejando permitir ao outorgado comercializar a água que não utilizar no seu processo original, e o seu negócio consome três litros para cada um da viciante bebida que produz (há mineradoras que consomem até cinco vezes mais água que toda a população de sua cidade de exploração). O PL nº 495/2017 não quer menos que transformar o bem público em mercadoria!

Cada um dos três debatedores* apresentou uma pérola, à guisa de conclusão:

  • Água tratada e saneamento são direitos humanos, que a um terço da espécie faltam, reconhecidos pela Organização das Nações Unidas e assim precisam ser inscritos na Carta Magna brasileira;
  • 90% dos investimentos em saneamento na história do Brasil vieram dos cofres públicos; e
  • A proposta de divisão do novo marco atribui aos privateiros o filé, ao Estado o osso e ao povo a conta de água e esgoto.

*Debateram José Faggian, presidente do Sintaema/SP, Gherly Ranzan, diretor do Sintaema/SC e Francisca Adalgiza Silva, Presidente da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp.

Cuidar da água é cuidar da vida. Afinal, cada real investido em saneamento básico economiza quatro em saúde. 13% das mortes infantis derivam de doenças transmitidas por via hídrica. Quantos mais brasileiros habitariam este país se o Estado se encarregar do assunto?

Leituras complementares sugeridas: 100 anos de saneamento no Brasil e Neoprivataria.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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