Harari, o indivíduo e o coletivo

Há alguns dias, Luiza Sahd, do UOL TAB, publicou em português a entrevista que Yuval Harari deu ao Financial Times em 20.3.2020, abordando cenários para o pós-coronavírus. Sobre o ilustre historiador israelense já havíamos falado em Como será o amanhã e, inclusive, lhe escrito uma Carta, também disponível neste blogue.

Harari sistematiza com rara capacidade de síntese os 70 mil anos da jornada humana na Terra, sem contestação séria de seus pares até há uns duzentos anos atrás. Mas ele não se limitou a arriscar avaliações do tempo presente e mesmo a predizer como ficará o futuro para a espécie.

Da entrevista, é fácil derivar para o Brasil as ideias do historiador:

  • “O que acontece quando todos trabalham em casa e se comunicam apenas à distância? O que acontece quando escolas e universidades inteiras ficam online?
  • “Meu país natal, Israel, por exemplo, declarou estado de emergência durante a Guerra da Independência de 1948, que justificava uma série de medidas temporárias, desde censura à imprensa e confisco de terras a regulamentos especiais para fazer pudim (não estou brincando). A Guerra da Independência está vencida há muito tempo, mas Israel nunca declarou a emergência encerrada.
  • “Antes, mesmo médicos e enfermeiros passavam de uma operação cirúrgica para outra sem lavar as mãos. Hoje, bilhões de pessoas lavam as mãos diariamente — não porque têm medo da polícia, mas porque entendem os fatos.
  • “Nos últimos anos, políticos irresponsáveis minaram deliberadamente a confiança na ciência, nas autoridades públicas e na mídia. Agora, esses mesmos políticos irresponsáveis podem ficar tentados a seguir o caminho do autoritarismo, argumentando que você simplesmente não pode confiar na mídia ou na ciência para fazer a coisa certa.

Especialmente o quarto tópico encontra eco na realidade brasileira, quando o próprio presidente – um “político irresponsável”, mina deliberada e diuturnamente as autoridades médicas e sanitárias públicas do Brasil, do mundo e até do próprio governo que chefia.

Seu desejo de tornar permanente o regime de exceção em razão da calamidade pública hoje vivenciada apresenta um mundo que o próprio Harari abomina: “um governo todo-poderoso”. Dispor da vida alheia em benefício do próprio poder encontra pouco paralelo no mundo, com a diferença que os piratas dos EUA estão mais bem armados.

Confiamos que vamos superar a crise, salvar vidas e sair mais unidos desta árdua luta. Três em cada quatro brasileiros entendem as razões do isolamento social para vencer a pandemia. No entanto, a expectativa do famoso cientista social de isso bastar nos exige um comentário final:

Às vezes, é preciso da força do Estado para conter os indivíduos antissociais, que entendem o que é certo e errado mas teimam e seguir o mau caminho e por em risco intolerável a vida de outrem.

O governo coreano, por exemplo, obrigou os cidadãos ao uso de máscaras e observou-lhes compulsoriamente a geolocalização. A imposição pública mesmo aos discordantes das medidas oficiais, por ignorância ou má fé, produziu prejuízos menores que em outros países ao conjunto da população.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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