Não que haja uma data-base para os servidores públicos, como sucede entre os trabalhadores do setor privado organizados em sindicatos por categoria econômica ou profissional. Mas a previsão orçamentária obrigatória para a despesa pública induz ao ciclo anual de elaboração da peça legal a atenção do setor.
No caso do segmento civil da União a corrosão inflacionária sobre os vencimentos vem de anos, não sendo inferior à quarta parte do salário em praticamente nenhuma categoria. Ao invés de um movimento amplo pela justa retribuição social pelo serviço prestado, cada especialidade parece buscar a sua “farinha pouca”, nestes tempos em que o governo tem-se mostrado lento em prover saúde e recuperar a economia, mas absolutamente pontual no pagamento dos lautos juros, que consomem parte substancial do produto nacional.
A aprovação orçamentária foi clara: na esfera federal, foi reservado uma fração de porcento das despesas financeiras para reajustar somente policiais da União – civis e rodoviários – um valor que certa imprensa procura comparar somente com o fundo eleitoral, que deveria representar fonte única de financiamento do debate sucessório ao Executivo e ao Parlamento, mas é somente parte menor da propaganda distribuída ao cidadão.
No final do ano, surgem reações aqui e acolá de carreiras de Estado que, além de empobrecidas, se veem diante da perspectiva de redução relativa do seu papel na construção nacional. Entrega de cargos, redução e mesmo paralisação das atividades funcionais, enfim os movimentos paredistas típicos nas relações de trabalho do setor público.
Há, no entanto, um fator novo sob a gestão de Jair Bolsonaro. Seu compromisso contra o Brasil é bem conhecido: “Nós temos de desconstruir muita coisa, desfazer muita coisa”, disse recentemente na embaixada do Brasil em Washington. Destruir o trabalho de gerações de brasileiros, na palavra da Hora do Povo.
Mas a sua escolha pelas carreiras que trabalham armadas revela outra faceta do capitão, bem pouco republicana, que muitos qualificariam até como “milicianas”. O mérito técnico ou a capacidade de mobilização dos policiais são incontestes, mas a indicação exclusiva pelo Presidente dessas carreiras na proposta orçamentária, após o reajustamento pretérito dos servidores militares, traz elementos que talvez tenham escapado aos olhos dos demais trabalhadores do Estado: o devaneio de criação de uma força obediente aos seus objetivos pessoais, e não à Constituição. Felizmente, honra e dever cívico não estão à venda.
As novas declarações oficiais dão agora conta de que o Presidente acha que “todos os servidores públicos merecem aumento”; mesmo assim, para “não cometer injustiças“, “ninguém vai receber nada”, mesmo com a modesta previsão orçamentária, ensejando o recrudescimento e a generalização da mobilização por direitos.
O serviço público é maior que tudo isso, e vai continuar a exercer o mandato constitucional em favor da sociedade. Mas, para que seus agentes sejam adequadamente remunerados, talvez um passo a mais esta Nação chamada Brasil precise dar em 2022, trocando a peça defeituosa do seu mecanismo de Estado.
Defendemos também o reajuste dos funcionários públicos no sentido da obtenção da isonomia com o setor privado.
PAULO MARCOS
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