
José Aron Sendacz, julho e agosto de 1964
Podgrodje é uma Cidade das Crianças, uma cidade administrada por crianças. É verdade que lá também há educadores, professores e outros funcionários adultos. Mas seu papel é secundário. Lá, o principal são as crianças.
Quando nosso ônibus chegou ao portão de entrada da cidade, fomos barrados por dois guardas, crianças entre 12 e 13 anos, que conferiram os documentos do motorista.
Mais tarde, quando nos saudaram, eles nos pediram desculpas. Eles sabiam que éramos visitantes estrangeiros, mas lei é lei: igual para todos.
Fomos saudados logo à entrada e antes que eu me desse conta, já estava sendo escoltado por um menino e uma menina de uns 13 ou 14 anos, que não mais me largaram até minha partida.

No salão de recreação, o presidente da cidade nos elucidou os seguintes pontos: “vivem na cidade exatamente 1000 crianças, que são alunos de várias escolas que obtiveram as melhores notas durante o ano letivo. Há na cidade 100 casas em largas avenidas e ruas; 60 são moradia dos habitantes da cidade e as outras 40 abrangem as instalações das várias instituições e repartições públicas.
Há na cidade uma agência de correios e telégrafos, tudo sendo dirigido por crianças; uma milícia própria, que mantém a ordem. O correio tem seus carteiros que distribuem as cartas. Um departamento de saúde que ocupa 4 casas sendo que uma é hospital, outra é o isolamento e duas são ambulatórios médicos e dentários.
A cidade possui um jornal próprio (naturalmente que é um jornal infantil), há uma estação de rádio com programação própria e alto-falantes em todas as esquinas. Quiosques que vendem refrigerantes, livros e guloseimas. Tudo é dirigido e executado por crianças. Os adultos são apenas ajudantes.
Além de tudo isso, há um teatro onde são realizados espetáculos pelas e para as crianças, um cinema, uma biblioteca, exposições, salões de leitura, de refeições, etc.
A principal atração da cidade é o trenzinho, que anda ao redor da cidadezinha e tem 4 estações. Tive que comprar uma passagem com dinheiro e um jovem fiscal me deixou entrar na plataforma. A primeira parada do trem foi no bosque. A segunda, na praia onde se toma banho de sol e se passeia de barco. A terceira, foi na Rua do Passeio e a quarta, na Praça do Descanso.
Com todos os requisitos de uma cidade independente, Podgrodje tem também uma legislação própria. Um conselho da cidade democraticamente eleito, e até um Fórum cujos membros são também eleitos pela população.
Não há prisão. O castigo máximo é prisão domiciliar, que significa que o condenado não pode sair de seu quarto por algumas horas.
Há também várias ocupações como jardinagem, marcenaria, etc.
Nessa cidade não há ociosos. Todos se ocupam com algo, naturalmente de acordo com um programa pré-estabelecido.”
Almoçamos com as crianças. Já não me lembro se a comida era gostosa, mas sem dúvida esse foi o almoço mais delicioso que já tive.
Meus acompanhantes não me deram descanso. Me mostraram e explicaram tudo e não sem orgulho. Mas, mais que tudo, eles queriam saber. A única coisa que conheciam do Brasil era sobre Jorge Amado. Aliás, ele é muito popular na Polônia. Eles queriam saber tudo sobre as pessoas, a língua, sobre as escolas, sobre as crianças, sobre as fábricas. Meus acompanhantes se orgulhavam de mim. Apresentavam-me a todos: – “Do Brasil”. Já haviam encontrado muitas pessoas de países europeus, mas do Brasil, eu sou o primeiro.
Durante as poucas horas que passei com as crianças, me entrosei tanto, que tive pena de ir embora. A pequena Elizbeta Sobolewska que não me largou nem por um minuto, tornou-se muito querida para mim e quando me lembro dela, sinto muitas saudades.
À tardinha, na despedida, ela não sabia o que fazer por mim. Ela tirou o lenço vermelho de seu pescoço e o amarrou ao redor do meu. Não pude conter minha emoção e não me envergonho de dizer que não pude conter minhas lágrimas. Creio que esse dia que passei em Podgrodje, nunca sairá de minha memória.
Voltamos a Stetin e à noite fomos ao teatro, onde vimos uma peça polonesa sobre um tema atual: – “O aniversário do Sr. Diretor” – uma sátira sobre um determinado tipo de diretores de fábricas.
No dia seguinte visitamos mais um orfanato em Stetin. Visitamos o porto e vários outros pontos da cidade, o castelo da dinastia Piaszt, testemunha da origem polonesa da cidade; o Museu de Arte Medieval, o Museu de Pesca e Mar e muitos outros lugares.
Às 20:00 hs viajamos para Stalingrad, a antiga Katowice. Em Stalingrad visitamos o Palácio da Juventude, que não é o único, mas o mais belo de seu gênero. É um verdadeiro palácio, na plena acepção da palavra. Dezenas e dezenas de salões deslumbrantes, num prédio de quatro andares, que ocupa todo um quarteirão. Os membros ativos desse Palácio são 7000 crianças de idades entre 4 e 14 anos, os quais se distinguiram nos estudos. Outras 20 000 crianças são visitantes.
Além de ser um centro de diversão e atividades sociais, este Palácio tem uma finalidade específica, que é a de descobrir nas crianças talentos, habilidades ou dons naturais.

Há no Palácio dezenas de departamentos de trabalho, onde a criança tem oportunidades de escolher uma profissão, tanto no campo da técnica como eletrônica, engenharia de máquinas ou no campo das artes como escola dramática, balé, música instrumental e vocal; ou no campo da ciência como física, pesquisas sobre ciências naturais; ou no campo da literatura, jornalismo etc. Cada especialidade tem seu departamento nesse Palácio e funciona sob a orientação de especialistas.
A criança trabalha lá por duas vezes na semana durante duas horas. Nessas horas ela produz as mais complicadas máquinas em miniatura, como locomotivas, tratores, máquinas elétricas, automóveis e aviões.

As crianças aprendem a dançar e representar e a tocar vários instrumentos. Quando após algum tempo a criança demonstra não ter aptidão ou não gostar de determinado trabalho, ela é transferida por especialistas a outros setores e assim se descobrem as verdadeiras aptidões ou talento da criança.
O diretor que nos ciceroneou explicou-nos que, na maioria dos casos, quando a criança termina a escola secundária e precisa optar por seu futuro, ou não sabe o que escolher, ou escolhe erroneamente, e quando já está no meio dos estudos, torna-se difícil mudar.
Neste instituto, a criança tem a oportunidade de se dedicar a algum trabalho ou arte sob a permanente observação de especialistas, que determinam depois qual é o mais adequado para ela. Dessa forma, quando a criança termina o secundário, ela já sabe com maior certeza para qual especialização ou arte ela quer se dedicar. Há no Palácio um teatro, um cinema, uma piscina de água quente e fria, quadras para vários esportes, bibliotecas separadas para cada idade, salões de leitura e estudos.
É publicada no Palácio uma revista mensal e também vários jornais murais. Lá também são realizadas exposições dos vários produtos lá fabricados.
2 comentários em “Viagem à Polônia (VI)”