Viagem à Polônia (VII)

José Aron Sendacz, julho e agosto de 1954

Nesse mesmo dia, após tantas e maravilhosas horas de prazer intelectual, passei por algumas horas de profundo horror. Viajamos para Oswiencim (N. T.: Aushwitz em alemão). Às 3 da tarde lá chegamos e o que eu lá vi, é muito difícil de descrever por meio de palavras.

O campo de concentração de Oswiencim é conservado exatamente como era. Foi transformado num Museu que eternizará o aniquilamento das 4 milhões de pessoas, judeus e não judeus, que lá pereceram e que eternizará as atrocidades de uma ordem apodrecida que produz regimes que trazem sofrimento e morte através de horripilantes sofrimentos.

Perambulei pelos barracões onde as pessoas viviam e minha mente não podia conceber como…

Em prateleiras de 1 metro por 1 metro dormiam de 8 a 10 pessoas. Amontoados uns sobre os outros e é difícil de se entender como podiam respirar. Verão e inverno, na sujeira dos barracões, viviam seres humanos em condições que nem feras suportariam.

Ao fugir de Oswiencim, os nazistas explodiram 4 dos fornos crematórios. Restou um que é conservado como lembrança. As ruínas dos 4 destruídos continuam lá. Nas ruínas ainda se pode ver claramente onde eram os fornos e as câmaras de gás. Ainda se veem as valas comuns, onde se enterrava aos montões, porque os fornos não davam conta de cremar tantos cadáveres. Ainda se pode recolher do solo pedaços de ossos calcinados.

No Museu já se vê tudo organizado. Em vários salões, em caixas de vidro, vê-se taleisim (N.T.: chales de oração). Em enormes caixas de vidro, vê-se dezenas de milhares de escovas de dentes, de aparelhos de barbear, brinquedos etc.

Num salão enorme, todo envidraçado, encontram-se cabelos de mulheres, jovens e velhas, loiras, morenas, ruivas e grisalhas; lisos e encaracolados, tudo jogado aos montes, veem-se cabelos trançados e se tem a impressão de ver as cabeças das quais esses cabelos foram cortados.

Ao lado vê-se também os trabalhos feitos pelos nazistas com cabelos humanos, como travesseiros, colchões e principalmente entretela.

Outros três salões estão repletos de sapatos: de homens, de mulheres e sapatinhos de crianças, tudo muito entupido e onde foi deixada uma pequena passagem para os visitantes.

É difícil contar o que vi lá e o que senti.

Perambulei durante 4 horas no Campo de Oswiencim, vi as diversas salas de tortura, mas mesmo assim vi muito pouco do que lá há para ver. Tudo o que observei em Oswiencim não constituía novidade para mim. Eu já havia lido e ouvido muito sobre isso. Mas, quando se defronta e vê com os próprios olhos, a gente vive novamente esse horrível pesadelo.

 Na mesma tarde viajamos para Cracóvia.

Nem preciso contar que nessa noite não consegui comer nada. Perambulei sozinho pelas ruas de Cracóvia e não podia deixar de pensar em outra coisa além do visto no Campo.

Quarta-feira pela manhã, fomos até “Nova Huta”. Uma cidadezinha perto de Cracóvia, onde está sendo construída a maior usina siderúrgica da Europa.

No dia 22 de julho (NT: dia da instalação do governo de Libertação Nacional em 1944, em Lublin, e considerado Dia da Independência) foi acionado o primeiro dos fornos da usina. A produção dessa usina superará em muito toda a produção atual de aço em toda a Polônia.

Esta usina, onde atualmente trabalham cerca de 70 mil pessoas, inclusive os construtores, é totalmente automatizada, com fornos móveis onde o trabalhador tem a função de apenas controlar as máquinas.

Pode-se imaginar o tamanho da “Huta”, sabendo que em seu interior existem 250 km de estrada de ferro e 50 km de estradas de rodagem.

Talvez seja supérfluo trazer cifras do volume da siderúrgica, para nós que temos pouca noção nesse ramo, basta dizer que depois da União Soviética a Polônia terá a maior siderúrgica na Europa, que produzirá o aço suficiente para toda sua indústria pesada. É interessante frisar, que a Polônia já alcançou industrialmente quase todos os países europeus e está quase suplantando a França. Ao lado da siderúrgica, foi construída uma cidade para 100 mil habitantes.

No mesmo dia, voltando a Cracóvia, visitamos a cidade, o Castelo Wawel, o Museu Sukenice, a Igreja Mariacke, e outros monumentos da Polônia antiga.

O Ministério da Cultura destinou uma soma para a restauração e conservação da Sinagoga principal de Cracóvia, que já existe há quase 600 anos.

À noite fomos ao Teatro. Estava sendo apresentada nessa ocasião a peça “Port Arthur”, pela companhia Maly de Moscou.

No dia seguinte fomos para Rabka, onde visitamos um novo sanatório para crianças tuberculosas, ou com suspeita de tuberculose. Esse sanatório é dos mais modernos no gênero. A criança lá recebe tudo até recuperar completamente a saúde. Não apenas cuidados médicos, mas também jogos, divertimentos e até aulas numa escola especial, a fim de não se atrasar em sua vida escolar. Cada criança frequenta a escola tantas horas por dia, de acordo com prescrição médica.

De Rabka viajamos para Zakopane. Zakopane é um dos lugares especiais de repouso e passeio. Antigamente lá passavam suas férias os fazendeiros e ricos comerciantes e grandes industriais. Atualmente lá e em toda a região montanhosa do sul, bem como em toda a orla marítima, as localidades foram transformadas em colônias de férias para os trabalhadores e para as crianças. Vê-se dezenas de palácios, que antes pertenciam aos fazendeiros e que agora são colônias de repouso.

Dia 31, sábado, voltamos a Varsóvia.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, diretor do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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