Viagem à Polônia(X)

José Aron Sendacz, julho e agosto de 1954

Os judeus que hoje vivem na Polônia sentem-se seguros, não temendo nenhum excesso antissemita. O atual governo de democracia popular, não só colocou o antissemitismo fora da lei, como também submeteu-o ao código de sabotagem.

Qualquer ato antissemita, ou até mesmo propaganda neste sentido, é considerado traição e. como tal, punido até com pena de morte. Seria um absurdo dizer que não existem mais indivíduos que carregam o antigo ódio contra os judeus, porém não existem mais possibilidades, nem as causas que possam provocar as ações antissemitas. Ninguém necessita mais de um “bode expiatório”. Não estando mais interessados em existir economicamente como minoria nacional, os judeus integraram-se na vida econômica e, com isso, também na vida política do país.

Time de 1954

Há judeus nas minas de carvão perto de Stalingrad (antiga Katowice). Encontrei camponeses judeus em Walbrzich. Encontram-se judeus na siderúrgica de Nowa Huta. Há judeus em quase todas as fábricas, nas construções de prédios e estradas e também no exército, a começar pelos soldados rasos até generais. Há judeus nos trabalhos mais humildes e nos altos escalões do governo.

O judeu não existe mais como um objeto apontado como causador de tal ou qual delito.

Apesar de todas as dificuldades, o atual governo conseguiu criar uma situação econômica graças à qual 90% da população agora vive melhor do que antes da guerra, afora as perspectivas para uma constante melhoria do padrão de vida. Ultimamente houve 4 cortes nos preços. Isso quer dizer que, além de salários mais elevados, pode-se comprar cada vez mais produtos. A nova realidade na Polônia atual é a melhor garantia contra o veneno do antissemitismo, que causou tantos crimes horrendos no passado.

Encontrei também na Polônia de hoje, mais uma garantia contra o antissemitismo. Eu vi como a nova geração está sendo educada. Visitei pré-escolas, colônias infantis, palácios da juventude e vi com quanto carinho e preocupação se forma um novo indivíduo. Eu vi com quanta atenção e com quanto carinho e preocupação a alma humana está sendo reconstruída. 80% das crianças das escolas nas cidades vão passar as férias de verão nas colônias. As crianças das aldeias vão para colônias nas cidades. O analfabetismo não existe mais. Três milhões e meio de crianças frequentam escolas primárias. Os numerosos seminários formam anualmente milhares de professores. Quem visita a Polônia tem a impressão que o país inteiro está trabalhando para as crianças. Dediquei vários dias a visitas nas colônias infantis, palácios da juventude e passei várias horas em companhia da gente miúda, duas vezes almocei com as crianças. Dancei com elas, cantei com elas, conversei com elas durante horas. Falei com elas sobre suas brincadeiras e também sobre seus problemas. Senti suas preocupações sobre o destino da Guatemala (NT: a viagem ocorreu na época em que o governo de Jacobo Arbenz foi derrubado) e sua tristeza por uma brincadeira frustrada. As crianças faziam perguntas sobre as matas de Mato Grosso e sobre Jorge Amado. Interessavam-se sobre minha caneta Parker e sobre minhas impressões a respeito da fábrica de automóveis Geram perto de Varsóvia. Falaram com orgulho sobre suas competições e sobre a magnificência de seu Palácio da Juventude. Fiquei arrebatado com suas perguntas e com seus cantos de alegria. Eu me senti bem em todos os lugares que visitei, mas onde me senti melhor foi nas colônias infantis, na companhia das crianças. Senti que está sendo educada uma nova geração. Nova em sua psicologia, em sua mentalidade no pleno sentido da palavra. Gente que está sendo educada no amor e na responsabilidade coletiva, gente que não só vai ter habilidade, mas também merecerá ser os futuros dirigentes de um novo mundo.

Em contato com dirigentes, com superintendentes de fábricas e cooperativas, com funcionários públicos de alto escalão, esforcei-me para poder sentir o grau de democracia, o grau de poder popular da nova Polônia.

As fábricas, que são propriedade do povo, estão sendo administradas pelos conselhos e diretores, que se originam dos próprios operários e que tem como finalidade não somente melhorar e apressar a produção da fábrica ou cooperativa, que de qualquer modo visa o benefício do povo, mas também de criar melhores condições de vida para os operários: palácios para os seus filhos, clubes para lazer, teatros, escolas de música, bibliotecas, estádios de esportes etc. Procuram alcançar a finalidade de que o operário que dedica à fábrica de 6 a 8 horas diárias de sua energia, obtenha dela tudo para sua vivência física e espiritual.

Visitei uma fábrica de roupas nos subúrbios de Varsóvia – Praga – onde trabalham cerca de 4 000 operários. Perambulei pelas amplas e arejadas salas de trabalho, visitei a creche onde as mães que trabalham na fábrica deixam seus bebês sob custódia de educadoras diplomadas, visitei o clube, a sala de teatro onde funciona um coro, uma biblioteca, um grupo de dança, círculo dramático, tudo isto subvencionado pela fábrica para seus operários, e entendi o orgulho do porteiro, que na saída da fábrica me perguntou:

– “Gostou da NOSSA fábrica?” Na naturalidade da NOSSA fábrica achava-se o cerne da nova democracia.

Praga, Varsóvia

O superintendente geral dessa fábrica, um jovem de trinta e poucos anos, ele próprio alfaiate, me disse que, se há um certo número de operários que não aprovam a atuação de um diretor duma seção ou até mesmo da administração geral, tem o direito de exigir da assembleia geral, a mudança do administrador.

Quando visitei Kulice, uma aldeia a 80 km de Gdansk e almocei com camponeses da cooperativa “Futuro”, o diretor Vincent Gilinski, um fazendeiro de meia idade cujos antepassados não sabiam de outra coisa a não ser arar e semear, colher e moer, me declarou:

– “Eis que os 100 membros de nossa cooperativa me escolheram como presidente. Isso me dá muito trabalho e responsabilidade. Além do meu trabalho no campo, tenho que me preocupar com todos os problemas da cooperativa. Muitas vezes os camponeses me procuram para resolver qualquer coisinha sem importância.”

Além de ser presidente de sua cooperativa, Vincent Gilinski é também deputado no parlamento, eleito por seu distrito e é diretamente responsável perante os camponeses que o elegeram.

Esses fatos demonstram a ampla democracia popular, onde o regime começa desde a menor base econômica e termina no mais alto escalão administrativo.

Basta lembrar que o presidente da Democracia Popular da Polônia, Alexander Zawacki, é um ex-trabalhador das minas de carvão da região de Katowice, começou seus estudos nas prisões duma colônia semi-fascista (Tanasza) e chegou a ocupar o mais alto posto na nova Polônia.

Qual a minha impressão geral sobre a recente visita à Polônia?

É difícil responder esta pergunta em poucas palavras.

Visitei fábricas, visitei a grandiosa siderúrgica “Nowa Huta”, visitei portos e cooperativas rurais, visitei escolas, colônias de férias, palácios de cultura, teatros, museus, exposições e o mais importante: conversei com pessoas, com muita gente, pessoas de várias cidades e meios diversos, com crianças e adultos, com estudantes e ativistas sociais, com artistas e condutores de trens, com jornalistas, mecânicos, com pessoas que moram em casas bem arrumadas e outras que ainda estão esperando sua vez de receber uma moradia e estão vivendo em ruínas.

Tive a impressão que estou tateando a construção de um novo mundo. Senti o otimismo dos adultos, a alegria das crianças, o orgulho dos campeões do trabalho, cujas fotos estão pregadas nas esquinas e servem de estímulo para os outros, eu vi com que certeza se iniciam obras aparentemente irrealizáveis, a alegria do mineiro que mostra a maior siderúrgica da Europa em cujo interior existem 200 km de trilhos e que me diz, que há 4 anos aqui pastava gado. Eu senti como nunca, a necessidade de se preservar a paz. Pessoas que constroem tão gigantescos empreendimentos, que empregam tanta imaginação, esforço e fé, pessoas que colhem cereais, derretem aço, constroem pontes, arrancam minérios da terra, pessoas que constroem suas vidas com orgulho, com responsabilidade e alegria, odeiam a guerra e maldizem os que querem destruir o que foi construído.

Quando vi as expressões alegres nos rostos das crianças das colônias de férias, e os olhos cheios de espanto dos bebês nas creches e me lembrei do espectro da guerra, que ainda permanece sobre suas cabeças, senti-me culpado. Culpado porque estamos fazendo pouco para conservar a paz, porque não devemos esquecer nem por um momento nem negligenciar nossa luta contra os que querem mais uma vez jogar o mundo no tenebroso precipício de sangue e aniquilamento e acabar com a civilização da humanidade.

Culpado, porque por mais que nos dedicamos à luta para a preservação da paz, isto ainda é pouco em comparação com os esforços de pessoas que constroem de novo, nas ainda visíveis ruínas de guerra, uma vida nova, saudável, criativa do socialismo.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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