A insistente sugestão de alguns leitores de que devemos deixar esta terra tropical rumo a países como a Coreia ou Cuba, traz-me a lembrança da semana que passei na ilha caribenha, em tempo que da base militar da Flórida estadunidense partiam diariamente dezenas de voos tripulados em sua direção, tentando repetir a invasão dos Porcos de 1961 e, quem sabe, expandir o território sem lei que atende pelo nome de Guantânamo.

A bucólica Camaguey resulta do recuo à montanha de uma antiga comunidade caiçara de lá, constantemente atacada por piratas. A tina que ilustra o centro da cidade servia de coleta de água da chuva nos primeiros tempos.
O longo caminho a leste, a bom caminho da lendária Sierra Maestra, onde os revolucionários libertadores dos anos 50 agruparam-se ao desembarcar do Granma, tomou-nos todo o sábado.
A prática que tanto lembra o interior de São Paulo, imortalizada na obra em Camaguey pode ser conferida no caminho, em uma vila onde os jovens aceleravam o passo ao entardecer, para não perder nem um minuto sequer do baile de sábado, enquanto as vizinhas tricotavam e conversavam nas calçadas.


Nosso domingo por lá não foi de turismo, mas de trabalho. Fomos conhecer o contraste entre a paradisíaca praia de Santa Lucia, com seu potencial turístico, e o processo de envase de água em galões de 20 litros, como era servida no hotel em que ficamos.
Para conversar com as operárias, fez falta acompanhar as novelas da Globo, que então dividiam o horário nobre da TV Cubana com as produções locais. Mas o funcionário do governo que foi de avião ter conosco optou por voltar no nosso transporte em troca de mostras do potencial de um notebook que tomei de empréstimo a um amigo, para fazer as planilhas necessárias ao estudo de viabilidade que nos foi encomendado. Segundo ele, “vamos dispensar as horas de computação que reservei no Ministério”.
De volta a Havana, uma semana intensa de cálculos e projeções desde os salões do Hotel Copacabana, cuja interessante piscina era de água do mar, protegida ao fundo por uma tela antitubarão.

A única noite livre permitiu-nos assistir, ao ar livre, ao espetáculo de música, dança e acrobacia do Tropicana, a partir das banquetas de vinte dólares do bar (as cadeiras de pistas custavam proibitivos cinquenta dólares, muito acima da nossa diária).

Muita gente pelo mundo, inclusive brasileiros, acostumou-se a ver tropas militares agindo em território estrangeiro, com jovens nem um pouco voluntários. Mas os cubanos não são assim.

Os cem mil “invasores” que partiram de lá para os mais desassistidos rincões do mundo, como recentemente testemunhamos no interior do Brasil, são profissionais de saúde armados de estetoscópios e seringas, integrantes das brigadas internacionalistas de lá.
Meu amigo Cássio Neto esteve por lá recentemente, com a família hospedada em casa de família. As impressões que me passou coincidem com as minhas sobre a generosidade e hospitalidade do povo cubano.
Nossa gratidão aos meus companheiros de equipe naquele epopeico carnaval (Chico Rubió, José Américo e Manoel Santos) e ao cônsul cubano, Carlos Lugo, que nos acompanhou desde os preparativos até o nosso retorno ao Brasil, tudo sob a coordenação de Miguel Manso.
Coube-nos nos anos seguintes traduzir ao português do Brasil o livro de José Gomez Abad, primeiro chefe do serviço secreto cubano, “Como el Che Burló a la CIA”, sobre as missões de Guevara na África e no Brasil. O titular dos direitos no Brasil não levou a obra ao prelo, mas em breve prometo contar algumas de suas passagens.
Nunca vou esquecer essa viagem, foi um marco na minha vida, tenho saudades de você e de nossas reuniões partidárias.
CurtirCurtir