Reproduzimos a íntegra do artigo do deputado estadual Caio França, publicado originalmente n’A Tribuna de 5.2.2020, pela relevância do trabalho deste “filho na história” que obteve indicação ao comitê norueguês do Prêmio Nobel, não para a Economia, mas para o muito mais relevante da Paz.
UM SANTISTA ILUSTRE INDICADO AO NOBEL DA PAZ 2020

Você já ouviu falar na teoria do Capitalismo Humanista? Defensor da teoria, o santista formado em Direito pela Unisantos, ex-desembargador do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e atual ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Paulo Dias Moura Ribeiro, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2020 pela aplicação pioneira dos direitos humanos no capitalismo em seus julgamentos de litígios judiciais.
A indicação ao comitê norueguês foi feita pelo Dr. Ricardo Sayeg, livre-docente em Direito Econômico da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e um dos idealizadores da teoria desenvolvida em 2008 e transformada em livro ao lado de Wagner Balera.
De acordo com Dr. Sayeg, o Capitalismo Humanista sustenta um regime jus-econômico de capitalismo com direitos humanos. A teoria não propõe o fim do capitalismo e tampouco defende um novo modelo de comunismo ou de socialismo. Trata-se de uma nova perspectiva da análise jurídica do regime capitalista, sob o prisma dos direitos humanos, com o objetivo de concretizar a dignidade da pessoa humana. Uma vertente do regime econômico que se coadune com a fraternidade, já que ambos estão previstos constitucionalmente.
Ainda em sua fundamentação para indicação de Moura Ribeiro ao prêmio, Dr. Sayeg destacou que capitalismo e direitos humanos não são antagônicos, mas irmãos aliados, defendendo que é necessário superar o mito desumano de neutralidade entre os temas. Segundo ele, o capitalismo humanista preconiza que a pobreza não é apenas um problema dos miseráveis e do Estado, porém sim, de toda a coletividade que é beneficiada pela inclusão capitalista, que garante uma existência digna a cada um.
Moura Ribeiro foi o primeiro magistrado brasileiro a impor o fundamento explícito do Capitalismo Humanista enquanto desembargador no TJ-SP e continua sustentando a aplicação em seus julgamentos no STJ.
A indicação destaca a sensibilidade e coragem da aplicação da teoria em casos concretos envolvendo pessoas em situações reais como o drama vivenciado por uma família que na tentativa desesperada de salvar a vida de seu filho acometido de grave doença, tornou-se inadimplente de suas obrigações firmadas com um banco referente a um contrato de financiamento imobiliário e por este motivo o banco moveu contra os devedores uma execução hipotecária.
Ficou evidenciado que o inadimplemento ocorreu em razão dos altos gastos que os pais suportaram com o tratamento médico de seu filho, diagnosticado com leucemia e que veio a falecer em razão da doença. O banco não aceitou renegociar as parcelas e cobrou as obrigações em atraso, incluindo juros de mora e multa contratual.
A decisão do TJ-SP, que à época teve Moura Ribeiro como desembargador relator, afastou a cobrança de juros moratórios e multa contratual no período da doença levando em conta a caracterização da ocorrência de caso fortuito ou força maior e a ausência de culpa.
O fato é que os devedores se depararam com uma situação imprevisível e deveriam optar entre custear o tratamento do filho doente ou pagar as parcelas do financiamento imobiliário. E optaram sabiamente pela única opção possível para um pai e uma mãe: tentar salvar a vida do filho, um direito constitucional. Um caso concreto com resultado equivalente à observância dos direitos humanos no ambiente capitalista.
Neste sentido, tramita na Câmara dos Deputados a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 383/2014 que propõe a inserção do Capitalismo Humanista na Constituição Federal. Também na cidade de São Paulo, o legislativo aprovou em primeiro turno que a cidade deve ser regida pelo regime do Capitalismo Humanista por meio da proposta de emenda à Lei Orgânica 04-00001/2014, pendente de ratificação em segundo turno.
São avanços que devem ser levados ao conhecimento de todos. No Direito, cada caso é único em suas particularidades e deve ser analisado como tal. E que a indicação do santista, ministro Moura Ribeiro, ao Nobel da Paz, inspire desde os mais jovens universitários e recém-formados até as mais altas cortes espalhadas pelo mundo a observar a importância dos direitos humanos nos conflitos judiciais de ambiente capitalista.
A reprodução do artigo no Facebook trouxe o seguinte comentário do economista e professor da UnB Rodrigo Peñalosa:
“O que escreverei aqui é um pouco longo, mas creio que será esclarecedor sobre esse tema. A ideia de direitos humanos já é inerente ao fundamento do sistema capitalista, que é o respeito aos direitos de propriedade. Armen Alchian, num artigo clássico, “Property rights”, diz:
“For decades social critics in the United States and throughout the Western world have complained that “property” rights too often take precedence over human rights, with the result that people are treated unequally and have unequal opportunities. Inequality exists in any society. But the purported conflict between property rights and human rights is a mirage. Property rights are human rights”.
O fato de um bem ou serviço ser considerado um “direito humano” não o torna ipso facto imune à escassez. Pra entender os efeitos disso sobre os direitos humanos, é preciso entender duas coisas elementares que a Teoria Ecônomica nos ensina. Primeiro, que devido à escassez, as pessoas competem pelos recursos. Segundo, também devido à escassez, que cada escolha se faz acompanhar de sacrifícios. É um erro muito comum a ideia de que, na economia de livre mercado, a qual pressupõe a garantia absoluta dos direitos de propriedade como direitos humanos fundamentais que são, a busca pelo lucro se faz acompanhada da violência e da falta de humanidade. Ao contrário dos que assim pensam, Armen Alchian esclarece que o propósito fundamental dos direitos de propriedade é justamente a eliminação da competição destrutiva sobre o controle de recursos econômicos. Uma boa economia de mercado alicerçada sobre a garantia dos direitos de propriedade é precisamente o que promove a competição pacífica e, por conseguinte, os direitos humanos. Teorias que pretensamente tentam “humanizar” o capitalismo, ou melhor, o sistema de livre mercado, partem do pressuposto falso de que direitos de propriedade e direitos humanos são coisas incompatíveis. Pelo que vi do texto sobre o “capitalismo humanista”, o autor corretamente não vê contradição entre capitalismo e direitos humanos, mas parece-me claro que a forma como ele lida com isso é problemática: forçar modificações constitucionais. Se observamos violações de direitos humanos, é porque nossas instituições falham em garantir de forma ampla os direitos de propriedade. Em outras palavras, não é de mais direitos humanos que o capitalismo precisa, mas de mais direitos de propriedade. No artigo, Alchian conclui:
“Private property rights do not conflict with human rights. They are human rights. Private property rights are the rights of humans to use specified goods and to exchange them. Any restraint on private property rights shifts the balance of power from impersonal attributes toward personal attributes and toward behavior that political authorities approve. That is a fundamental reason for preference of a system of strong private property rights: private property rights protect individual liberty.”
No caso da hipoteca, a empresa corretamente cobrou a dívida. O problema não está no conflito entre a cobrança e a escolha, também correta, dos pais em optar por custear o tratamento. O problema é que a contingência do tratamento não foi vislumbrada no contrato de empréstimo. É um problema de contratos incompletos, no jargão da teoria, sem mencionar o fato de que seguros de saúde existem. O problema da família é uma clara situação de necessidade de renegociação do contrato. A família opta por quebrar o contrato em razão de outra escolha que eventualmente lhe pareça melhor. A empresa, por sua vez, se vê prejudicada. É a mesma situação de empresas que enfrentam o hold-up: elas treinam funcionários, investem neles, mas, depois de capacitados, os funcionários optam por outra empresa que lhes oferece mais.
Um artigo de Nöldeke & Schmidt, “Option contracts and renegotiation: a solution to the hold-up problem” (Rand Journal of Economics, 1995), mostra que um simples contrato de opção de venda pode implementar o first-best sem necessidade de renegociação. A empresa teria o direito (não necessariamente a obrigação) de vender a dívida da família mediante a especificação de um pagamento acordado em um contrato de opção de venda, implementando-se, assim, a alocação eficiente sem necessidade de renegociação. Na hora do contrato, a empresa pergunta assim: “Se você eventualmente tiver que quebrar o contrato, quanto você me pagaria?” A família deverá fazer uma ponderação de situações que podem ocorrer, especialmente questões de saúde, como a que acometeu a família exemplificada no texto e que é a que primeiro vem à cabeça de qualquer um. Ela tem que se perguntar: “A partir de que valor monetário para tratamento de saúde eu preferiria romper o contrato de hipoteca para, em troca, custear o tratamento?” Ela poderia, por exemplo, escolher um valor de $100.000, imaginando que cobriria isso com a venda de um dos carros da família e de um lote. Se a empresa aceitar, então bastaria ao juiz, à corte (que, no jargão da teoria, se diz “credible third party”), verificar o pedido da família de rompimento do contrato. Isso é um direito de propriedade da família e que deve ser respeitado. A forma como a empresa avalia o risco será mais acurada, pois ela precisará precificar o risco de rompimento de contrato e incluirá isso nos juros da hipoteca. Se realmente houver competição, as pessoas se beneficiam de juros mais baixos. Logo, o que garantiria a essa família os seus direitos humanos são basicamente direitos de propriedade mais bem definidos. Forçar uma mudança na Constituição, como pretende o colega professor, é o caminho certo para ineficiência e violações de direitos de propriedade.”
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