A felicidade como obrigação

Um antigo e sábio professor, Sérgio Bio, ensinou uma vez que o indicador socioeconômico mais relevante, o único que deve ser considerado, é o IGF – Índice Geral de Felicidade. Aprendi agora com Rita Almeida que felicidade, no entanto, não é sinônimo de saúde mental.

Houve um tempo, no Brasil, em que 60% da verba de saúde pública era destinada à saúde mental. Se assim mais não é e a quarentena nos assombra e causa incômodos, seu artigo para o Em Cena Saúde Mental pode ajudar muito nestes dias.

“Desde que a felicidade virou uma espécie de obrigação, fazemos uma confusão entre a noção de saúde mental e felicidade. Mas saúde mental não é o mesmo que felicidade, saúde mental tem relação com a capacidade de acolher, de lidar e de elaborar nossos afetos, sejam eles bons ou ruins, felizes ou não.

Nesses tempos de pandemia e isolamento social, nós, os profissionais psi, estamos sendo convocados a ofertar para as pessoas receitas de felicidade e serenidade. Eu tenho dito o seguinte: quem está alegre, despreocupado, sem sonhos estranhos e não chorou (ao menos pra dentro) nessas últimas semanas, ou não entendeu direito o que está acontecendo ou está completamente descolado da realidade. Ainda mais no Brasil, onde a estupidez do presidente instaura para nós uma dupla ameaça: a da pandemia e a do pandemônio – como alguém já sinalizou.

Por isso, se você está com medo, angustiado, preocupado, choroso e com seu sono perturbado, isso indica que está com a saúde mental em dia, afinal, esses são os afetos adequados para a situação em que vivemos.

São esses afetos que vão nos fazer tomar os cuidados necessários (por nós e pelos outros), buscar informações de qualidade, nos mobilizar e cobrar as providências devidas dos nossos líderes e instituições.

Por outro lado, os negacionistas, os criadores de teorias conspiratórias, os compartilhadores de mentiras, os manifestantes contra o isolamento social, os defensores das medidas genocidas do (des)presidente e que acham graça de seus comentários estúpidos, esses sim – caso não sejam movidos por cinismo ou ausência total de empatia – estão psiquicamente adoecidos; delirantes, débeis, descolados da realidade partilhada, colocando sob ameaça a própria vida e a do outro.

Sendo assim, caso você se sinta mergulhado em afetos ruins nesta quarentena, não se preocupe, você está totalmente saudável, talvez a questão seja definir o que fazer com esses afetos, como acolhê-los e atravessá-los sem paralisar completamente ou entrar em desespero.

E isso é uma coisa que a maioria de nós já experimentou uma vez na vida e cada um conhece (e se não conhece deveria conhecer) suas melhores ferramentas para lidar com esses afetos difíceis: música, escrita, choro, dança, conversa, silêncio, gatos, cães, amigos, samba, trabalhos manuais, movimento político, arte, yoga, sonho, vinho, reza, grito, livros, ópera, videogame, abraço, memes, chocolate, pastel, promessa, mandinga, e tantas outras novas ferramentas, que podem até mesmo serem inventadas nesse momento.

O sofrimento humano é algo profundamente individual, mas em alguns momentos – e a pandemia do Covid 19 é um deles – podemos experimentar uma forma de sofrimento coletivo. Todo sofrimento psíquico tem causas e efeitos políticos, porque está diretamente relacionado com a forma pela qual nos enlaçamos com o mundo que nos cerca. No caso do sofrimento coletivo, tal efeito político, se dá numa escala muito maior. Por isso, os que estão com sua saúde mental em perfeita ordem, são os mesmos capazes das ações políticas necessárias ao enfrentamento desse momento histórico.

O Brasil e o mundo contam com os angustiados, os insones, os preocupados e os tristes.”

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, diretor do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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