
José Aron Sendacz, julho e agosto de 1954
O início do programa oficial, estava marcado para o dia 20 pela manhã e então assim ficamos com quatro dias livres para atividades particulares.
Naturalmente que, em primeiro lugar fui à redação do jornal “Folks Sztyme” (Voz do Povo), onde fui recebido pelo redator-chefe Hersz Smoliar, que ficou muito feliz por receber um visitante do Brasil.
Nesse ínterim chegaram à redação outros colaboradores como: Fiszgrund, Nejinski, Lichtenstejn, Grynszpan, Korman, Ivan e principalmente o xodó da moderna poesia judaica – Binem Heller.
Da redação, fomos todos juntos à Sociedade Cultural onde já estava à minha espera o presidente da entidade – Dawid Sfard.

Conversamos longamente e eu lhes relatei sobre nossa vida judaica, sobre nosso trabalho cultural judaico. Eles gostaram muito e se interessaram sobre todos os detalhes a respeito da vida judaica no Brasil. Eu disse a eles que gostaria de aproveitar esses poucos dias livres que tenho antes das festividades oficiais, para conhecer mais de perto a vida judaica na Polônia. Eles imediatamente designaram dois companheiros para me ciceronear e mostrar tudo que desejo ver e conhecer.
O companheiro Ivan, jornalista baixinho, jovem mas já grisalho e o poeta Limonad que é o motorista da redação.
Como Wroclaw não constava do meu programa oficial e é atualmente o maior centro judaico na Polônia, eles acharam que devo visitar essa cidade. No mesmo dia, logo após o almoço, o companheiro Limonad veio me buscar para me mostrar Varsóvia.
Em primeiro lugar, naturalmente, fomos ver o monumento aos Heróis do Gueto.
Permaneci em frente a essa parede de pedra; observei essas figuras de bronze encravadas no granito. Cada figura, um protesto contundente, um grito contra a injustiça e crime; cada músculo como se fosse vivo e retesado para a luta; a tensão nos rostos lembra a sua determinação, não permitir serem imolados como carneiros, mas sim lutar e morrer como homens, quando não é mais possível viver como homens.
Na parte inferior desse monumento está gravada a tragédia, os sofrimentos; judeus sendo impelidos para a morte. Na frente, heroísmo, e atrás, aniquilamento. Ao lado estão duas menorás. Nos dias de comemoração, são acendidas as menorás e o Monumento é todo iluminado.
Eu contemplo os homens de bronze sobre os blocos de pedra. Hitler, amaldiçoado seja, queria construir, com esse granito, um Arco do Triunfo em Berlim. Agora esse granito é um Monumento para homens que, em sua fraqueza, demonstraram tanta força, de homens que se propuseram a fazer desaparecer da face da terra todo e qualquer vestígio de maldade.
Como gostaria de ter junto a mim um desses “judeus” dirigentes que se vangloriam de seu acesso ao chanceler Adenauer, que se alegram com seus “enormes feitos” no sentido de logo, logo poder iniciar relações e “meia sociedade” com os libertadores de Ilse Koch, Friechtche, Von Manstein e outros… Como eu gostaria de ver seus rostos se crisparem de vergonha, dor, arrependimento, vendo esses heróis que aqui estão, como um eterno alerta ao mundo. E, quem sabe, eles por sua aproximação aos herdeiros de Goebels e Shtreicher, já se tornaram tão empedernidos, que talvez seriam capazes de dar as costas a esse Monumento com indiferença e desprezo… De lá, fomos adiante.
Na região quase deserta onde antes havia o bairro judeu de Varsóvia, onde os tenebrosos malfeitores não deixaram pedra sobre pedra, fui levado por Limonad até uma ruína onde se via a entrada a um túnel subterrâneo. “Aqui – me diz meu acompanhante – era o bunker onde atuava o quartel-general do gueto. Aqui foram aniquilados Mordechai Anielewicz e seus companheiros de luta!”

Visitamos o “umschlagsplatz” (praça de seleção), de onde os nazistas levaram centenas de milhares de judeus aos crematórios.
Vemos a antiga prisão militar, da qual permaneceu em pé uma parede inteira; a única parede inteira que restou no gueto.
Em seguida, peço ao companheiro Limonad, que me leve ao cemitério judaico. Um paradoxo! A única coisa que se salvou da destruição do gueto, foi o cemitério.
Visito os túmulos de Ester Ruchl Kamiinska, de Waissenberg, Noberg, Gerszon Dual, de vários grupos de partizans que foram trazidos depois da guerra para serem enterrados no cemitério judaico e, finalmente, me detenho por mais tempo no maior túmulo da Varsóvia judaica, se assim se pode expressar sobre um túmulo, a tumba de I.L. Peretz, ao lado do qual descansam seus dois melhores amigos Anski e Dinenson. Fui dominado por um estranho sentimento naquele instante.

Um sentimento que até hoje, não consigo entender. Perambulando entre as ruínas onde antes vibrava a vida judaica – comerciantes, carregadores, artesãos, trabalhadores, empregados, feirantes, vendedores de beigalech – de que não sobrou nenhum vestígio, senti então ao chegar ao cemitério uma espécie de alívio e um pouquinho de alegria, se assim se pode dizer; que pelo menos algo restou da antiga Varsóvia.
Do cemitério, nos dirigimos à Cidadela, que hoje foi transformada num Museu, num Monumento àqueles que lá pereceram, tanto nos tempos da ocupação czarista como nos tempos do regime fascistóide de Pilsudski.
Saímos a passeio pelas novas ruas. Parece que nenhuma outra cidade do mundo, com exceção de Stalingrado, foi tão completamente destruída como Varsóvia.
– “O Fueherer não tem mais interesse – diz um documento dirigido ao arqui-assassino Frank – que Varsóvia permaneça como cidade.” E os ocupantes nazistas em Varsóvia resolveram realizar este desejo do Fueherer, não deixando nenhum edifício inteiro. Não apenas destruíram os edifícios, mas também as instalações hidráulicas, de gás e canalização.
“Quando o governo polonês entrou em Varsóvia logo após a libertação – nos contou numa recepção na Câmara Municipal o prefeito Albrecht – surgiu o problema de reconstruir ou construir uma outra capital. Mas o imenso amor da população por sua capital, nos fez tomar a decisão de reconstruir Varsóvia”. E Varsóvia está sendo reconstruída.
Pode-se ver centenas e centenas de enormes blocos de apartamentos sendo construídos em Varsóvia. A construção de ruas inteiras é iniciada e concluída. Há ruas – a Velha Cidade, o Novo Mundo, Arrabalde de Cracóvia, antigas e tradicionais, que foram reconstruídas exatamente como eram antes da guerra, com o mesmo aspecto e as mesmas fachadas.
As outras ruas são amplas, novas, arborizadas, os prédios com espaços maiores entre eles, e apesar de muitos ainda não estarem pintados por fora, já lá moram pessoas em seus confortáveis e bonitos apartamentos.

Varsóvia está sendo construída de acordo com um plano. Hoje, sua população é de mais ou menos meio milhão de habitantes. Até 1965 os habitantes serão dois milhões. A cidade deverá estar terminada em 1960.
Uma grande avenida central “Trasse” (Leste-Oeste) corta Varsóvia do princípio do oeste até o fim de Praga no leste. A praça da Constituição é uma das mais bonitas da Europa. Ao mesmo tempo em que já se pode ver em Varsóvia muitas ruas terminadas, ainda se encontram ruínas prédios ainda não demolidos e ruas sem asfalto, pois tudo é novamente construído. Quando se diz a um morador que Varsóvia é uma cidade bonita, ele responde prontamente: – “Ela será uma linda cidade, daqui a alguns anos.”
E eu tive mesmo a impressão que Varsóvia será realmente uma linda cidade, porém daqui a uns cinco anos.
Na manhã seguinte, sábado, o companheiro Ivan, jornalista e poeta, colaborador da Folks Sztyme, me levou a ver os monumentos históricos e também os novos monumentos de Varsóvia.
Em sua fúria destrutiva, os nazistas não se esqueceram de fazer explodir todos os monumentos históricos da Polônia. A Câmara Municipal incluiu em seus planos a reconstrução de todos eles, como eram originalmente. Desta forma foi então reconstruído o monumento a Adam Mickiewicz, o maior poeta polonês – ao gênio da Renascença, o físico Copérnico, etc etc…
Um maravilhoso monumento foi erguido em homenagem ao grande lutador pela liberdade – Felix Dzerdzinski, que se encontra numa praça que leva o seu nome.
Visitamos vários outros lugares importantes de Varsóvia e depois fomos ao Instituto Histórico Judaico, que está instalado num prédio novo em frente a uma praça, onde antigamente estava situada a famosa sinagoga da rua Tlomacka.
No Instituto Histórico encontrei-me com Ber Mark, seu diretor geral, o qual durante a minha estadia na Polônia foi agraciado com o título de Professor, pela publicação de importantes trabalhos históricos.
No Instituto encontrei também vários outros escritores e ativistas culturais. Levaram-me para ver o Museu do Aniquilamento e Heroísmo. Andamos pelos amplos salões do 1º e 2º andares. Observei as dezenas de quadros, fotografias autênticas e quadros artísticos. Fotografias de uma grande quantidade de documentos, desenhos e esboços, que demonstram a matança sistemática e o planejamento da transferência de centenas de milhares de pessoas, para a morte.
Pode-se ler nesses documentos, os continuados decretos de Himler e os relatórios do Gauleiter, sobre o andamento dos planos de extermínio.
Através de fotos e documentos, vemos os primeiros atos de revolta, os vários grupos de partizans que solaparam o domínio nazista, os primeiros levantes nos guetos e nos campos de concentração e finalmente o Levante do Gueto de Varsóvia. Esculturas e quadros de vários heróis do Gueto e Grupos de Luta, elaborados por artistas judeus e não judeus. Em resumo, um Museu que eterniza o sofrimento, heroísmo e desaparecimento de milhões de judeus.
A maioria desses documentos foram reunidos por Emanuel Ringelblum, historiador e mártir, que os coletou e guardou em caixas de ferro por ele enterradas no solo do gueto. Essas caixas foram desenterradas depois da guerra, e colocadas à disposição do Instituto Histórico Judaico, que sob a direção inteligente e capaz de Ber Mark, foram catalogados e organizados para exposição.
Durante o tempo em que fiquei no Instituto, tive a oportunidade de ver dezenas e dezenas de pessoas, judeus e não judeus, visitando o Museu com o maior interesse.
Nessa mesma noite, embarquei no trem para Wroclaw.

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