O caminho para o amanhã

Aqui reproduzimos as considerações de Nehemias Monteiro* sobre as questões que colocamos aos colegas da Autoridade Monetária, na qual trabalhei por mais de uma década antes de alcançar a aposentadoria.

São elas:

Algumas questões que o isolamento social nos leva a caraminholar, e gostaria da ajuda dos nobres colegas: por um lado, o dinheiro pode estar perdendo o seu valor em velocidade há lustros não vista, e não se trata só do álcool gel ou do papel higiênico, que os comerciantes mais modestos dobraram os preços; por outro, economistas chegam a prever que o desemprego dobrará ao longo da pandemia, os pequenos negócios que não vendem comida ou remédio têm em muitas cidades restrição ao seu funcionamento, quem é uberizado, perdão, empreendedor, está por um fio, quem pouco tem pode ter o salário reduzido à metade.

A pergunta: como fica a estabilidade monetária nesse cenário? Qual o papel que o BC deveria jogar neste momento – para não dizer ainda da reconstrução ulterior -, será que basta tirar meio ponto da Selic ou uma nova politica monetária se faz necessária para preserva o poder de compra da moeda nacional?

A outra face da dúvida: os cofres públicos tendem a definhar com a redução da arrecadação tributária, seja pelo adiamento do vencimento dos tributos, seja pela redução da economia em curso. O cenário prevê dinheiro para se pagar salários e proventos de aposentadoria? Ou será preciso mexer nas reservas ou na dívida pública?

“Basicamente, o que se afigura é uma situação de guerra. Você tem um inimigo a derrotar, que pode deixar centenas de milhares de mortos.

Neste cenário, você tem dois objetivos: derrotar o corona o mais rápido possível e manter o máximo da estrutura produtiva, permitindo a retomada.

Assim, os governos gastam massivamente, e deixam as preocupações fiscais pra outros momentos, a inflação geralmente sobe, pois a oferta de produtos cai. No entanto, essas preocupações ficam para depois.

Veja como os governos das economias centrais estão reagindo. Democratas e Republicanos estão disputando quem faz um pacote maior de estímulo. Todas as famílias americanas vão receber um cheque do governo. O governo americano estuda ainda comprar participação em empresas, como fez com os bancos em 2008. Assim ocorre no Reino Unido e nos países da UE.

A lógica é a seguinte, empresas perderão receita e trabalhadores perderão salário. Se ficar assim, as empresas quebram e as pessoas morrem de fome. Não haverá economia pra retomar. Se, porém, o governo segurar as pontas por 1 ou 2 meses, pode ser que as coisas estejam mais ou menos do mesmo jeito quando essa coisa toda acabar, e a retomada, inclusive de arrecadação, será forte.

Não são países de governos socialistas ou socialdemocratas. São países que têm governos. É isso que os governos fazem quando lutam guerras, gastam pra salvar seu país, e depois veem como fica.

O único lugar que ainda se agarra em austeridade é aqui: é o modelo economista-ortodoxo-midiático brasileiro, de Zeinas Latifs e Guedes da vida. Mas até o Armínio Fraga já tá querendo abriria o cofre.”

*Nehemias Monteiro é Especialista do Banco Central, mestre em Engenharia Química e Conselheiro do Sinal.

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

3 comentários em “O caminho para o amanhã

  1. O também Especialista do Banco Central e Conselheiro do Sinal Alvaro Lima Freitas Junior enviou-nos alguns comentários sobre a expansão monetária, que reproduzo aqui, inclusive com as fontes indicadas por ele:

    “Parto do pressuposto de que o Estado tem o poder de emitir moeda (tal qual era feito na idade medieval). O problema é que tendo mais moeda ocorria um aumento da demanda e consequentemente inflação reduzindo o poder de compra da moeda (o famoso imposto inflacionário). Lógico que nessa época não haviam os mecanismos de endividamento por emissão de títulos do tesouro. Emitir moeda nada mais é do que emitir dívida (não remunerada) – passivo da autoridade monetária. Restaria nesse momento permitir que o BC pudesse financiar o Tesouro – o que atualmente é proibido. No meu entendimento não haveria impacto inflacionário tendo em vista que teremos uma redução drástica da demanda em função do isolamento social. O problema a resolver fiaria para o futuro mas nada que não pudesse ser resolvido por meio de ampliação das alíquotas de recolhimento compulsório não remunerado. Se a situação é de guerra nada resta a não ser adotar medidas extremas não previstas para situação de normalidade.”

    Traz também citação do primeiro dos artigos abaixo:

    “Um estado soberano que pode imprimir sua própria moeda jamais irá quebrar”, dizem incessantemente vários economistas adeptos de teorias heterodoxas, dentre elas a Moderna Teoria Monetária.

    https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/10/03/brasil-imprime-dinheiro-pagar-divida.htm
    https://en.wikipedia.org/wiki/Modern_Monetary_Theory
    http://brasildebate.com.br/a-saida-fiscal-pode-estar-na-emissao-de-dinheiro-pelo-estado/

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  2. Registro também a contribuição de Marcio Araújo,Especialista do BC como Nehemias e Álvaro:

    “Neste momento, o BCB tá seguindo a onda de redução da taxa de referência no mundo todo.

    Como estamos amarrados ao regime de metas pra inflação, a tx interbancária não cai, pois está ancorada na Selic.

    Somado ao compulsório alto e mercado bancário concentrado, temos taxas na ponta ridiculamente altas e pouca concorrência no mercado financeiro.

    Esse é um lado.

    O outro lado é que o momento atual é o que Keynes chamava de armadilha de liquidez. Mesmo se os bancos derrubassem as taxas domésticas, não haveria demanda agregada (entendida no sentido expectacional) pra iniciar um processo de crescimento, via investimento.

    Em resumo, pra termos alguma chance de começarmos a sair deste buraco, tem que ter muito gasto público. Não faltam áreas novas, e outras até do século passado, pra dirigir esses gastos. Mas, pra isso, precisaríamos de etapas básicas:

    1) derrubar o teto de gastos, inventado pra forçar a entrada do país no inferno neoliberal;
    2) recapitalizar os bancos de investimento públicos, como o BNDES;
    3) redirecionar os gastos das estatais pra geração de empregos de qualidade no país, ou seja, reativar nossas refinarias, retomar a Embraer etc.
    4) o BC deveria, mesmo que não formalmente, impedir valorizações do real que impeçam o pleno uso dia recursos humanos com qualificação do país.”

    De outra autoridade, traz o seguinte complemento:

    “Só faltou um elemento, indispensável diante da queda excepcional da atividade econômica após anos de deterioração do poder de compra das famílias: uma política de rendas de amplo alcance.

    Há diversas variantes sendo adotadas pelo mundo. Na Dinamarca o Estado vai pagar até 75% (dependendo da queda da receita do empregador) dos salários dos trabalhadores. No estado de Nova Iorque foi decretada uma suspensão de 90 dias para os pagamentos de hipotecas e prestações da casa própria, com garantia de reescalonamento da dívida sem multas e sem negativação de cadastro. Na França fora suspensos os pagamentos de alugueres residenciais e das principais tarifas públicas para pessoas físicas: eletricidade, água, esgotos e gás.

    O problema é que tudo isto é coisa de comunista ateu vagabundo comedor de criancinha.”

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