Reproduzimos o artigo de Álvaro Miranda*, publicado em 20.02.2020 no GGN, por expressar uma obviedade que muito tem sido mascarada pela imprensa e certos formadores de opinião antinacionais. Os “investidores” estrangeiros enxergam as empresas brasileiras da mesma forma que veem os títulos públicos: um ativo financeiro, que é de interesse conforme a taxa de retorno. Novas tecnologias, novos empregos, novas encomendas, nada disso está na pauta daqueles que as políticas públicas contracionistas querem atrair.
A denúncia de que a devastação do Brasil vem sendo intensificada pela atual “política econômica” vem do próprio governo nas linhas e entrelinhas da notícia. Questão de ler e interpretar com olhos de verruma da economia política – e não com a boçalidade tecnicista do ajuste que antes, na época do tucanato dos anos 1990, era chamado de “estrutural”.
Não passa de uma grande falácia vergonhosa o argumento de que a reforma da previdência, as privatizações e outras mudanças vão trazer investimentos estrangeiros ao país. Os governos do PT também foram cúmplices com essa falácia, alegando um suposto déficit da previdência, que não existia e não existe.
De acordo com a Subsecretaria de Investimentos Estrangeiros da Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio (Camex), ligada ao Ministério da Economia, os estrangeiros estão vindo para cá para comprar empresas prontas, e não criar novas capacidades produtivas, com a implantação de plantas industriais e transferência de tecnologia. Notícia do alto da página A4 do Valor Econômico de quinta-feira, 20//2/2020.
Essa descida ladeira abaixo não começou com o atual governo, sendo uma trajetória que vem acontecendo desde 2003, primeiro governo Lula. Quase metade dos chamados investimentos estrangeiros diretos de 2019 são oriundos de China, Estados Unidos, Japão, Itália e França. De acordo com a notícia, apenas 15% desses investimentos estão relacionados com novas plantas produtivas.
Além disso, esses investimentos vêm se concentrando mais na área de serviços e cada vez menos na indústria. Sem falar que empréstimos entre empresas não são destinados aos investimentos, mas sim para capital de giro.
O dado irônico e cínico é que o Brasil aparece no conjunto de dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), em destaque, como sendo o quarto maior destino dos investimentos em 2019, apesar da retração global dos negócios.
Hipótese para justificar essa atenção para o Brasil: só desinformados, messiânicos, boçais e estudantes em fase inicial de pesquisa não sabem que a escassez de recursos é também uma falácia, dentro de outras, tais como as contidas em expressões referentes à sociedade da informação, economia de dados, revolução tecnológica desvinculada das mudanças estruturais, etc.
Existe, na verdade, enorme liquidez de recursos em determinados países de economias mais fortes – não à toa a lista dos que vêm atrás de “negócios” incluem três do hemisfério norte, além de Japão e China. É de ser pensar, nesse contexto, por que o interesse de estrangeiros na compra de ativos já prontos e consolidados como vacas leiteiras seguras, a exemplo de muitas empresas estatais do programa de privatizações que se tornou política de todos os governos brasileiros desde a década de 1990.
Óbvio que, numa situação de interdependência cada vez maior de um mundo globalizado, como resultado da expansão e crises do sistema capitalista, o investimento estrangeiro direto é bem-vindo. Porém, desde que em condições favoráveis para todos os países, os que investem e os que recebem novas tecnologias e criam condições para aquecimento da economia nacional, aumento de emprego etc.
O olhar grande para o Brasil reflete, na verdade, essa aberração de dentro para fora, como quem diz para o mundo: olhem, venham para cá porque vocês podem comprar ativos aqui a preço de bananas, não precisam investir ou construir. Além disso, nossa mão de obra é baratíssima. E também porque não sabemos fazer nada, nosso povo é um povo desinformado que não entende nada de economia – e estamos aqui de passagem. Aproveitem!
Um comentário em “A falácia do investimento estrangeiro num país devastado”