Morar em área de risco

Reproduzo o texto abaixo conforme o recebi, exceto alguns ajustes gramaticais, pela relevância da desgraça sentida na pele por aqueles que muito perderam com as chuvas na Baixada Santista, inclusive a própria vida, em muitos casos. Desconheço o autor, mas assiste-lhe razão quando afirma que morar em área de risco não é gosto ou opção, mas sujeição à condição imposta pela carência combinada de renda e moradia. Como resolver? Colocando tijolo sobre tijolo em solo seguro; construindo casas para “todos os membros da sociedade”. Fica o registro in memorian dos que pereceram sob as águas e a homenagem àqueles que não pouparam esforços para minorar o sofrimento das famílias afligidas.

Santos, o que mata não é a chuva, é ser obrigado a morar em áreas de risco
A baixada santista amanheceu hoje [3.3.2020; o quadro mais recente dá conta de 15 mortos e 33 desaparecidos] com o saldo de 9 mortos e 6 desaparecidos, as manchetes culpavam a “chuva torrencial” de mais de 200 milímetros em menos de 12 horas.
As intempéries ocorrem periodicamente, é por isso que a humanidade desenvolve tecnologia para se defender delas. No entanto, no sistema capitalista, o uso desta capacidade não é para todos, mas só para alguns. Uma parte da população é obrigada a ficar à mercê dos caprichos do clima morando em áreas de risco, nos morros ou regiões que alagam.
Choveu muito, mas as moradias fora destas áreas de risco não tiveram problemas. A pergunta certa então é porque as pessoas são obrigadas a morar em área de risco? Segundo o prefeito Crivella do Rio de Janeiro as “pessoas moram porque gostam”, deve achar também que passam fome por opção.
As moradias nos grandes centros urbanos viraram fonte de especulação que se agravam com a concentração de renda. Levantamento de 2016 apontava que em São Paulo 1% dos proprietários concentravam moradias no valor de R$ 749 bilhões, de um total de R$ 1,7 trilhões (valores da época), ou seja, esse 1% detinha 44% do valor imobiliário da cidade. Esses barões da especulação deixam muitos imóveis vazios simplesmente aguardando valorização, em 2010 havia 290 mil imóveis vazios ou subutilizados em São Paulo. Enquanto isso 360 mil pessoas não tinham sequer casa pra morar.
Esse quadro não é muito diferente em Santos, onde famílias como os Mendes controlam boa parte da propriedade imobiliária.
O demógrafo Luiz Antônio Farias apontava que em Santos, só no quinquênio de 2005-2010 cerca de 20 mil pessoas tiveram que migrar da cidade devido aos custos de moradia. Não temos estudos mais recentes, mas vários estudos indicam um salto imenso no valor dos imóveis a partir de 2013, com a descoberta do pré-sal.
A combinação de alto custo da moradia com o arrocho salarial, desemprego e a falta de investimento massivo em moradia popular são os verdadeiros responsáveis por milhões em todo Brasil morarem em áreas de risco. Não moram porque querem, moram porque é a única opção para ter um teto.
As chuvas torrenciais continuarão a cair, elas, assim como outras intempéries, são parte da natureza e a humanidade já tem capacidade e técnicas para contorná-las. O que não é parte da natureza é uma sociedade que concentra riqueza e exclui milhões, isso sim é uma questão de opção. Só a luta dos explorados fará com que esse barões da especulação percam seus privilégios e seja possível garantir moradia digna e fora de riscos a todos os membros da sociedade.”

Publicado por Iso Sendacz

Engenheiro Mecânico pela EESC-USP, Especialista aposentado do Banco Central, diretor do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo, conselheiro da Casa do Povo, EngD, CNTU e Aguaviva, membro da direção estadual paulista do Partido Comunista do Brasil. Foi presidente regional e diretor nacional do Sinal. Nascido no Bom Retiro, São Paulo, mora em Santos.

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